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Mostrando postagens de maio, 2011

O sacrário - parte I

Arrumava o cabelo. Descansara cinco minutinhos dentro do carro com o ar condicionado ligado a fim de minimizar as consequências de um dia inteiro, dois turnos com alunos mimados da Escola Elite. Após uma rápida checada no espelho, a professora desceu do carro, e, após a autorização do inter-fone entrou na casa de jardim grande e fonte de madeira emanando vida e calma. Sempre sonhou com um jardim daqueles, mas com o salário de professora que ganhava, a muito já se conformou com a piazinha de água benta feita de biscuit que tinha na porta de casa. Dentro da luxuosa residência sentou-se em um sofá de uma maciez tão inesperada a e assustadora que chegou a dar um rápido pulinho por causa do susto. Incomodava-lhe apenas aquele cheiro meio desagradável que vinha do interior da mansão. Após alguns minutos a dona da casa chegara: linda e jovem, dentro dum moleton cinza, largo e despojadamente caindo pelo ombro direito. Formalidades pra lá, formalidades pra cá. Um pouco de vinha e voilá: - Como

A mão

O punho forte e enrijecido pela vida batia com força. Contemplava-se multifacetado nos pequenos rastros que o vidro fazia diante de seus golpes. Aumentava-lhe a dor, a raiva. Embebido pelo ódio mergulhava mais uma vez o punho. Via-se vermelho. Rubro por dentro e por fora. O vidro banhado pelo sangue teimava em não romper. Aquilo só alimentava sua indignação. Dentro uma mulher de meia idade gritava de desespero sem conseguir controlar as emoções pelo mínimo de tempo necessário para arrancar dali. Só chorava. Suas lágrimas se misturavam aos cacos de vidros que choviam sobre seu rosto enrubescido de medo e agonia. O homem maltrapilho - a roupa toda pueril, o cabelo desgrenhado e a barba encaracolada que denunciava seu estado de desequilíbrio - insistia em seus golpes constantes. Vivia uma catarse, entrara em transe e as marteladas contínuas serviam de ritmo hipnótico que o levavam a transportar-se para outro tempo e lugar. Tinha tudo e era feliz. Carro e casa, uma amada mulher e duas men

O santeiro

A sala era alva, coberta de branco das paredes até o teto. Grossa pelo gesso que se impunha em camadas que de tão espessa vez por outra despencavam sobre o chão. Uma profusão de cores misturadas no chão faziam daquele espaço um arco-íris sobre o qual os poucos que lá entravam podiam caminhar. Em meio ao calor ardente advindo de uma fornalha no final da sala trabalhava o homem, em meio a madeiras, facas, serrotes, formas e pincéis. O dedo todo marcado pelo talho que retirava pedaços grandes e que fazia curvas suaves, que vez por outra banhava a peça com seu próprio sangue. A sala sem ventilação fazia-o suar e nesse suor derramava-se por inteiro sobre as peças transpirando inspiração, sentindo as dores do parto terminava mais um santo. Saído da madeira, coberto de tinta e entranhado do santeiro, lá se via mais um estava pronto. Este santo seria seu milagre, fruto de suas próprias mãos, traria o sustento para a casa, colocaria o pão na mesa. Por hoje bastava. Por hoje.

Fernando Pessoa

Ia escrever um texto sobre a relação entre a saudade e a dor provocadas pela distancia e o salgado das lágrimas e do mar, mas descobri que o Fernando Pessoa já tinha um texto maravilhosos sobre tal, então apenas transcrevo as palavras do autor lusitano. MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu