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boas festas.

A musica preenchia cada canto da casa, entranhava-se ouvido a dentro. A sala de jantar estava ricamente ornada. Guirlandas, estrelas, luzes das mais variadas piscavam aqui e acolá, dançando conforme o som das canções que por tantos anos embalaram as suas festas. Peru assado, brilhando de tão quentinho atiçaria a gula de qualquer um que olhasse para ele. Nozes, damascos e outras dessas frutas e sementes que ninguém no hemisfério sul come se não for em dia de festa. O clima era perfeito, a mesa estava completa. A árvore, esplendorosa, gigante, repleta de bolinhas e encimada por uma estrela estava toda coberta de branco. A visão dos enfeites fez com que se lembrasse de que era hora de começar a festa. Falou calmamente, por alguns momentos apreciou os olhos de todos sobre ele, olhavam com uma atenção que nunca conhecera, isso era bom, somente aumentava nele a sensação que era certo. Falou sobre o mistério da vida. Elucubrou sobre a fé cristã e a crença na ressurreição, na beleza d

Batida

- Dois cappuccinos. Quem pediu dois cappuccinos? Pegou as duas xícaras quentes com a ponta dos dedos. Arrependeu-se dois segundos por ter dobrado a manga direita da camisa. A gota quente ia deixa a marca vermelha, mas fazer o quê? Entregou o líquido a ela, sentou-se e ouviu. Aonde estávamos mesmo? - Sim, você também não acha que aquela série da Globo, mesmo sendo muito bonita não fez jus a obra dele? Ela falava enquanto enrolava a ponto do cabelo grande. ... Encontraram-se quase que por acaso. Foi a batida de transito mais bem sucedida de suas vidas. Ele com a cabeça em outro lugar, não reparou no sinal que fechava e encostou no carro da frente. Ela assustada saiu do carro, esbaforida e pronto para atacar. Desarmou-se diante do sorriso torto e o olhar de confissão. Pediu desculpas e disse que o seguro pagaria tudo. Dezessete ligações depois e ficou sabendo que o corretor estava em outra ocorrência e demorari

O ritual

Atras da nuvem preta o primeiro fiapo e sol se fez ver, clareando o mundo e anunciando que a hora chegara. Ele, insone assistiuu a todo o processo em que o sol, sem meias palavras rasgou o tempo, apossando-se da Terra e se impondo como senhor. Suspirou fundo, a cabeça pesada de lembranças, de vozes, de pessoas, de medos. Chegara o dia de seu ritual. Todos passavam por ele. Todos diziam saber que ele tambem passaria. Como ele queria partilhar dessa certeza. Até se sentia pronto, sentia-se conscio de como deveria agir. Mas agiria?  - Merda! A pouca comida que conseguira ingerir quase voltara. Sabia que precisaria estar forte para o dia de hoje, sabia que seria preciso de todo alimento e de toda coragem para cumprir sua tarefa. Simples tarefa. Que por ser tão simples lhe dava tanto medo de não conseguir completa-la. Os mais velhos sempre a abordavam com o desdém habitual de quem já não liga mais, talvez até por que nem lembre. Os mais jovens que como ele ainda iam fazer o m

A dança

Veio caminhando lentamente, como que a revisar cada um dos passos na memória.  Mas a mente estava limpa, sem pudores ou medos. Usava uma camiseta verde escura por cima de um top acinzentando que combinava com a calça de moletom colada também em tom de cinza. O cabelo escorrido atrás das costas ainda molhado escondia o tom aloreado natural. Sob as suas gotas os milhares de prismas se escondem, sob sua camada escura a vida pulula nos açudes e nos mares e também sob aqueles fios. Colocou a sacola de viagem onde guardava a pouca bagagem que tinha no chão. Um chão que parecia se misturar ao infinito em uma mar de grama verde e milhões de margaridas amarelas cheias que olhavam-lhe diretamente, como que a captar a luz que emanava. Seus dedos podiam sentir a grama fazendo-lhe cócegas nos pés. Um pouco de terra preta ficou presa entre as dobrinhas dos dedos. Não sentiu nojo, não se sentiu suja. Sentiu-se viva! E tão viva que sobre aquela grama, sentindo o beijo do sol sobre sua pe

A bexiga Cedilha.

Parecia uma cedilha. Caminhava pela rua com os olhos fixos no chão. Ao mesmo tempo percorria caminhos distantes. Os olhos perdidos não viram a pedra diante dos pés. A topada quebrara-lhe a magia. Há pouco corria em terras distantes enfrentando monstros e vencendo bruxos, cavaleiros sem honra, beijando donzelas e fazendo com que o mundo inteiro visse o quanto era bom. Mas a pedra lhe trouxera de volta a vida. Bianca enxergou nele algo que nem ele conseguia ver. Já sofrera várias vezes por amor. Sonhara, divagara, vivera em mundos além e ainda um pouco mais distante. Transformara todas as suas fantasias em uma realidade tão bem sonhada que parecia que tinha sido, sem que nunca fossem. Foram tantas e tão belas, tão suaves e carinhosas. Sim, e lhe amaram, sem que ele gaguejasse nas palavras ou tropeçasse no medo eterno que sentia, mesmo depois de treinar horas e horas na frente do espelho. Às vezes tendo tanta vergonha de si próprio, ensaiava em silêncio, apenas olhando para

Éramos dois.

Éramos dois em frente ao mar. Não estávamos sozinhos, havia outros casais se beijando, não importava, para mim, éramos dois e bastava. Com o braço passado sobre o ombro dele fiquei no ângulo perfeito para olhar-lhe a barba, ralinha ainda, de quem tirou há um dia ou dois. Nunca entendo esse ritmo esquisito que os pelos masculinos têm. Mas enfim, era ele, e o sol. Um sol cansado dando adeus a mais um dia de trabalho para as pessoas dentro dos ônibus. Um sol excitante que lembrava que logo estaríamos os dois suados mesmo com o vento frio do ar condicionado. Éramos dois, mesmo com a insistência do mar batendo aos nossos pés e querendo chamar minha atenção. Mal ele sabia que não podia mais me apaixonar, já havia entregado meu coração para ele, para meu barbudinho. Ébria de paixão senti até um leve frio na barriga quando ele abriu a boca pra falar. Admito que não consegui ouvir o que ele disse pela primeira vez, as ondas insistiam em me chamar, em gritar por atenção, até res

A lenda / A canção.

O olhar vagou, a pupila semi dilatada presa no meio do olho, mirando o horizonte fez com que mente vagasse para um local e um tempo bem distantes, quando tudo era conforto, paz e tranquilidade, onde seus grandes medos estavam nas histórias da velha empregada na beira do fogo enquanto preparava o almoço e nas portas dos sonhos enquanto embalava os irmãos para dar aos patrões alguns segundos de descanso. Lembrou-se do cheiro que só a velha tinha. Um misto de sujeira com ternura que só os avôs conseguem ter. Da cama baixa em que deitava conseguia ver os nós dos dedos da velha, cansados de anos de trabalho pesado, marcados pelas inúmeras vezes que esfregara panos grossos na lavanderia e as queimaduras provocadas pelas panelas quentes que carregavam o gostoso sabor daquilo que preparava. Mas também eram nós de sabedoria. A palma da mão, grossa de trabalho parecia refletir a voz da senhora que todas as noites lhes contava as histórias de sua infância, em meio a arranhões e pigarros,