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Mostrando postagens de março, 2017

A ilha.

O som da voz de Nina Simone vinha lá de longe, de sei lá onde. Sem pedir licença entrou pelo seu ouvido e correu na velocidade do galope de Scadufax a plenos pulmões pelas planícies de Rohan, mal chegou atravessou todo o seu corpo e foi coçar-lhe o cérebro, foi despertar-lhe o coração.  Parecendo gás de refrigerante enchendo a boca e explodindo o mesmo sabor por todas as papilas ao mesmo tempo.  A música lhe invadiu. E numa sinapse que quase acompanhava a velocidade da luz percebeu: a rotina havia lhe consumido. Deixara que a corrente lhe levasse. Sempre que parava um pouco tentava ler ou ouvir sobre as notícias daqui e dali, de perto e de além.  Sem perceber tornou-se pragmático.  Seu rocha de salvação no meio da correnteza cotidiana era a música e tinha soltado os braços que durante tanto tempo a agarraram com firmeza.  Mas a voz forte, aveludada, impositiva e verdadeira de Nina mexeram consigo. Parece que uma ilha se levantava sob os pés e o erguia do meio da roti

Todo dia.

Todo dia era o mesmo ritual. O despertador tocava as 4:48, impreterivelmente. Ainda meio sonolento arrancava o celular da tomada. Sem precisar olhar fazia o curto caminho até o banheiro. Atualizava as conversas das redes sociais e algumas poucas notícias enquanto esperava o intestino funcionar. Lá pelo quarto ou quinto grupo o som começava a vir da casa vizinha. O cheiro de café atravessada a curta distância entre eles. A maldita mulher conseguia irritar a qualquer um. Não era nem cinco e meia da manhã e ela já estava com o rádio ligado . Ouvia sempre aquele mesmo radialista com voz de quem engoliu ovo quente falando coisas melosas sobre amor intercalados por músicas bregas e uma outra notícia. Quando ele corria para fora de casa já fazia questão de enfiar os fones nos ouvidos para tentar não perder o resto do sono e aproveitar a desculpa para não ter que falar com aquela mulher irritante. Lá pras seis e meia, sete horas da noite quando chegava em casa corria pra debaixo da

Pão quente

- "Aziz Ashum." Ia caminhando com o peito cheio de alívio. O som da voz do senhor Mergan ficou preso na cabeça dele. A lógica poderia até dizer que deveriam haver muitas vagas disponíveis. Mas a mesma lógica também fazia lembrar que se muitos empregos ficaram ociosos por falta de seus antigos donos, muitas empresas também estavam fugindo do país. Já faziam cinco anos desde que os primeiros levantes contra o governo começaram, e ainda estávamos lá... boa parte dos combatentes não eram mais os mesmos... Já os generais, os engravatados, esses dominavam acima de todos a arte de sobreviver, de enriquecer... - "Aziz Ashum" falou o senhor Mergan. Agora, depois de três meses procurando algum emprego e tendo que sustentar a família apenas por meio de pequenos bicos (as casas viviam quebradas, fosse pelos tiros ou pelo reflexo das bombas). A vida (na verdade a morte de tanta gente) o fez aprender o básico da carpintaria, sobre levantar um muro, rebocar uma parede, inst