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Mostrando postagens de 2010

Marcelo e Luana

Vinha caminhando pela rua, passo lento, cabeça baixa, as pernas formigando e o peito pesado. O caminho para casa nunca parecera tão grande. Acompanhava com o olhar a marca branca da beirada da sarjeta, mas ver mesmo, não via nada, sua mente estava a quatro quarteirões, junto com duas florzinhas e um coração. Marcelo conhecera Luana a dois anos, e ao olhar para ela sabia, era ela, ela era a garota. E ela foi, a garota de seus sonhos, sonhos de beijos que começavam suaves e que iam ganhando uma intensidade que lhe fazia parar de pensar. Foi por ela que entrara nas aulinhas de inglês e conhecera Led Zepelin, Rollings Stones e Sex Pistols. Foram dois anos vivendo mais por ela do que por ele mesmo. Deixara o cabelo crescer para ficar mais parecido com aqueles caras legais de seriado americano. Tentara falar com ela e dizer o que sentia, mas tudo parecia tão ridículo. Tão ridículo quanto aquele maldito cartão que lhe enviara anonimamente no dia dos namorados. Tão ridículo quanto esse cheiro

Calor

Era mais uma noite quente, maldita e abafada. Parecia que o céu havia descido e apertava a terra com um ar quente que só podia prenunciar a qualquer desavisado que ali era uma terra tocada pela mão do diabo. Lucas pingava dentro de sua bata amarelada de suor; ela já fora branca, e não havia muito tempo, qualquer um que chegasse a vila o encontraria limpo e cheiroso, com o cabelo exalando um perfume de brilhantina e a roupa com um leve odor de ovo que usava para passar as vestes e deixa-las brilhando. Mas hoje não havia nada disso, só o calor e o medo. Era o quinto enterro que acompanhava no mesmo dia, e o maldito dia ainda não acabara. E mesmo quando acabava, teimava em se repetir, levando sempre cinco, seis, até mesmo dez. Pela quinta vez, ele que nem sabia mais se acreditava ou não em um Deus era arrastado a consolar uma família moribunda que pranteava de olhos rubros a partida de mais um. Apenas rubros, pois não tinham mais aguá para derramar de seus corpos igualmente secos e moribu

Ela voltou.

Sobre a cabeça a batida oca nas telhas de argila. Ela chegou, este ano ela demorou, mas chegou. e junto dela vieram as lembranças...elas sempre vêm. Aguardava a sua chegada, pois sabia que despertaria essa sensação de temor e angustia que me acompanha a tantos anos. Na verdade não sei se a palavra correta é aguardava, muito bem poderia ser temia, receava, mas o que importa é que, agora que ela chegou, queria que fosse embora. Ela? Ou as lembranças? Sim, ela esteve lá em todos aqueles momentos que fizeram com que minha alma hoje tenha calos e rugas. Ela esteve lá quando a oito, nove anos atrás, ainda quase uma criança deixava a casa de minha primeira namorada, com o peito apertado e os olhos rubros, ouvindo um constante e sempre audível -acabou... Ela batia mansa e fina sobre mim. Acho que naquela hora, até ela sentiu pena de minha inocência e da forma cruel como aquilo me afetara, ainda não sabia como agir. Só deixei que ela me envolvesse e carregasse pra casa. Quem dera tudo tivess

Roberto ou O escritor ou Aquele cara lá.

Nunca fora nada. Não era alto, nem baixo. Um pouco mais gordinho que o normal, mas nada que chama-se a atenção. Nunca se destacara nos esportes, nem nas disciplinas da escola. Não sei se como forma de proteção sempre se achara superior aos colegas de escola. Apenas Cláudia fazia ele voltar para a realidade. Mas na verdade, nunca fora real. Ela era a mais bonita da escola e o caso entre os dois só fora real na ficção. E assim foi durante toda a vida escolar, ele e seu caderno, onde anotava de tudo, todas as suas experiências, poemas, devaneios que lhe ocupavam a mente. Até que conheceu Luiza. Ela não era nem alta, nem baixa, nem gorda, nem magra. Na verdade, tinham estudado juntos durante três anos, mas nunca haviam se visto. Ela o chamou pra sair. Ele relutou, ela não era Claudia. Mas foi. Se apaixonaram, tudo dera certo. Ele vira Luz. Era assim que chamava ela. Algum tempo depois, várias confidências e lágrimas também haviam se passado e ela conheceu seu

Ela

Voltava para casa. Era quase noite, aquela hora fria e esquisita, a mais escura de todas, entre o dia e noite. Estava escuro. O sol teimava por trás da serra, queria ainda ficar, mas já era hora. Ainda não era tão tarde ao ponto de estarem acesas as luzes artificiais. Era uma hora triste e cansada. Assim com eu. O dia fora difícil. Já fazia tanto tempo que saíra na madrugada preguiçosa, até parecia ter sido outro dia. Passara-se o dia todo e agora ali estava eu, de novo. Suado, camisa aberta até o quarto botão pra ver se entrava um pouco de ar. Cansado. Pela janela da condução, lotada, entrava vento, um vento tão bom,... vinha de casa. Estava voltando. Foram quantas palavras? Quantas pessoas? Quantos? E no final, estava voltando pra casa. O caminho passava, rápido; mas não tanto quanto eu queria que fosse. Parecia tudo tão lento naquele fim de tarde. Acho que o próprio dia estava esgotado. Esvaia-se Enfim, a casa. Porta, sala, solto os livros e tudo o mais, termino de desabotoar a cam

Medo

Os olhos estavam ardendo, a cabeça pesada, a barriga parecia dez vezes maior do que era. Sentia-lhe cada pedaço e cada movimento. Sentia um aperto ao lado do ouvido. Nada disso realmente o incomodava. O pior era o medo. Sua cabeça estava nervosa, seu coração batia lento, mas nem por isso se iludia: tinha medo. Medo de que? Medo de quem? Sentia-se pequeno e fraco. Era grande, já homem feito. Todos lhe diziam, alcançara muito, fora bem longe, chegara onde muitos diziam que lhe era impossível. Enfrentou as Moiras que lhe destinavam um mundo pequeno, menor que seu próprio peito que agora estava apertado. Mas tinha medo. Medo de parecer fraco quando todos lhe queriam/ precisavam forte. tinha medo dela, nunca aceitaria sua fraqueza, mesmo que ela assim o fosse. Medo de desaponta-los, eram tão certos de que ele era forte que não poderia deixar de provar para eles que realmente o era. O era? Só a ele cabia essa questão, só dele dependia a resposta. Precisava parar de pensar, a cabia doia mais

Bárbara

Eram quatro e cinqüenta e cinco da manhã, Bárbara levantou a cabeça do travesseiro e lentamente se levantou da cama, bem devagar para não fazer barulho. Com olhos ainda sonolentos chegava perto do fogão, ligara o bujão e começava a preparar o café. Forte e doce. Assim como ela. Era assim que se considerava, que sempre se considerara. Ainda criança escutara varias vezes a sua avó lhe dizer que era tão forte quanto seu nome. E cresceu acreditando nisso. Sempre disse para si mesma, eu sou forte. E foi. Foi forte quando se apaixonara pelo primeiro carinha, aquele bonitão do colégio que levou ela pra cama. Já fazia tanto tempo, na época devia ter treze, quatorze..., não mais que isso. Fora forte quando ele disse que ele não a queria mais e que só dormiria com ela se um colega dele fosse junto. E não foi uma unica vez. O ano letivo passou e os colegas também. Foi forte, quando o vídeo foi parar em todos os celulares da escola. Opa, melhor tirar o café do fogo senão vai queimar. Começou a p

Bia e João

O nome dela era Bia, na verdade Bianca, mas ninguém a chamava assim, nem ela gostaria. Ela era linda, tinha um corpo alto e um cabelo bonito, aquele ponto entre o liso e o enrolado, sempre caindo um pouco sobre o rosto, acho que para deixar um certo ar de mistério. Ela sorria, sorria bastante e tinha um sorriso que iluminava o lugar onde estava. Sempre que me lembrava dela, ela parecia estar no meio de um jardim florido, de dia, essa era a cor dela, esse era o tempo dela. Iluminada. Viva. O nome dele era João, ele era o mais legal, todos ao seu redor sempre estavam sorrindo, sempre queriam estar com ele. Ele era um líder, parecia até um daqueles clichês de filme americano, o garoto popular. Talvez não fosse bem assim o jeito certo de apresenta-lo, ele não era tão forte, nem tão vazio, ele sempre tinha algo para contar. Uma história interessante. Um experiência que a vida lhe deu. E eles se encontraram, era lindo vê-los juntos. Eles se completavam, Ela com sua beleza silenciosa e ele co

Chegou

O que você é? Há um ano você era apenas mais um. Um estudante, um namorado. Você brincava a vontade e se permitia sorrir. Você era feliz. Há não muito tempo, você tinha tudo. Você podia se permitir errar e sorrir da merda que fez. Você tinha planos, e eles eram tão bonitos, eles falavam de amor, falavam de futuro, falavam de dois. Quem você era? Você não tem mais tempo pro futuro, ele chegou. Você não viu, nem lhe mandaram um bilhete ou uma carta avisando que ele estava a caminho, mas ele chegou, e lá está você. Não há mais Amanhã, aquele grande, que fala de daqui a muito, você não pode mais se dar a esse luxo, seu Amanhã é amanhã. Ninguém lhe preparou pra isso, e você está só. Não há mais aquele cara grande e legal em que você se espelhava, ou mesmo de quem você as vezes se envergonhava, ele se foi. Agora é você. O tempo passou, chegou a sua vez. Você estudou, se formou, você cresceu. Mas quem te preparou para isso? Quem te ensinou a lidar com esse mundo, grande e perigoso. De pessoa

Pesadelo - aprendizado?!

Era manhã, acordo, pego o café, saio correndo, o ônibus estava incrivelmente mais vago, a sala de aula quase vazia. Meio desesperado pego o celular para ver se essa sensação estranha acontecia só comigo. Que surpresa, a lista telefônica estava reduzidíssima, não passavam de cinco ou seis números, todos de lojas ou instituições. Onde estavam todos? Para onde foram todos os meus queridos? Aqueles que eu amo, mas que nunca tive coragem de dizer, ou que não o fiz por que sempre achei que seria desnecessário, ou vergonhoso de mais? Era só um pesadelo, um maldito pesadelo. Ainda bem que acordei, levantei correndo, peguei o café, entre no ônibus, fechei os olhos e fui dormir de novo.

Ausências do próximo ano

Mais um vez vai chegando o fim do ano. Papais Noeis aparecem em todas as lojas, as ruas se vestem com um brilho vermelho e verde bonito. Um clima de altruísmo parece tomar de conta das pessoas que vão e vem, minimamente mais calmas, mas parece que este mesmo germisinho ataca o bolso que coça por gastar até o pouco que não se tem. Mas não foi nada disso que me inquietou, essas luzes e enfeites só me fizeram lembrar que mais um ano vai terminando e mais uma vez, pessoas interessantes que tive a oportunidade de conhecer e conviver durante dois anos não estarão mais presentes no meu cotidiano. Sentirei falta de alunos e alunas que transmutaram-se em amigos e amigas que deixaram marcas em mim e no meu modo de ser professor. Parabéns a eles que cumprem mais uma etapa, que vão além em seus estudos. Fica aqui um registro de alegria, felicitações e declaração de saudade.

Objetos - Stalybrass

Passamos muito tempo inseridos em lutas cotidianas que não reparamos em questões cotidianas que vez por outra, não sei por que, resolvemos estranhar, e por olhar pra elas de forma nada natural acabamos vendo-a por novos ângulos. Andei revendo algumas fotos e reparei na alegria de alguns marujos com trofeus conseguidos durante a jornada, e ao ver lágrimas de felicidade nos olhos deles e relembrar toda a insônia que os acompanhou na batalha por esses prêmios, vi como aquele pedacinho fino de metal era muito mais do que aquilo. Era um símbolo, sinal de vitória diante de lutas, de dificuldades, era sinal de que haviam conseguidos, era um atestado de que são bons, e muito bons mesmo. Ver isso me levou a tantas questões mas que por agora prefiro deixar apenas uma delas que pelas palavras de Stalybrass ficou assim: “O que fizemos com as coisas para devotar-lhes um tal desprezo? Por que os prisioneiros são despojados de suas roupas a não ser para que se despojem de si mesmos?”
há muito tempo não escrevia neste diário de bordo. há um bom tempo arrefeceu a vontade de escrever, desde que meu amigo se foi. mas, diz o jargao que o tempo ajuda a curar as nossas dores, entao estou escrevendo de novo. nao sei se curou, mas pelo menos é certo, que a distancia entre ameniza o sofrimento, pois ficam as lembranças, e essas sao boas. desde que parei de escrever situações totalmente distintas ocorreram. ouvi elogios a meu trabalho, e palavras de agradecimento a meus esforços para auxiliar jovens amigos, a quem tive a sorte de conhecer, a serem melhores, a tentarem crescer. contudo, no mesmo período ví olhos frios e opacos fingindo que nao estavam no mesmo lugar que eu, dando-me a mais cruel das punhaladas, a indiferença. não me odiavam, acho que nao,com certeza nao me amavam, mas antes sentissem pelo menos raiva, ai saberia que pelo menos nisso estaria lhes acessando, contudo, não os vejo, mesmo os tendo diante de mim, sei que nao me escutam, mesmo que grite ou sussurre,