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Mostrando postagens de 2011

A pracinha.

O cabelo caía-lhe na testa de forma charmosa. A blusa abotoada nos punhos dava-lhe um ar de homem sério. O óculos grande mostrava sua intelectualidade de quem tinha um brilhante futuro pela frente. Sapatos amarrados. calça novinha. Estava pronto. Ao calor das quatro da tarde saia de casa em direção a pracinha do bairro. O sino da igreja lhe dava a noção do tempo já que o relógio estava coberto pelas mangas da roupa... Um sinal. Nunca reparara como a praça era bonita. Tinha tantas florzinhas multicoloridas, o chão perfeito para a sua paixão. Pequenas borboletas passeavam de planta em planta tornando o cenário ainda mais magnífico. Um gato bolava pelo meio das plantas. As luzes começaram a acender. Antes estava acompanhado de um único bêbado na praça, agora um grupo de roupas pretas e cabelos alisados sobre a testa tomavam o coreto central da pracinha, resolvera mudar de banco, eles pareciam rir dele. Cinco voltas e meia, e seis badaladas, foi o que precisou para entender. O cabelo dáva-

Espera!

Era noite, fria, mas sem vento. Do décimo quinto andar conseguia ver as luzes das ruas, os carros que mesmo na madrugada ainda teimavam em passar. Enrolado no lençol, pensava nela. Sentia-lhe o cheiro. O suor que escorrera-lhe do corpo, misturou-se com o perfume e deixou uma fragância única impregnada no pano da cama onde a poucou foram felizes. Ele plenamente. Há meses sonhava com ela. Tinha observado a garota por todo o ano letivo, e agora conseguira o que queria, mas queria mais. Queria-a novamente, e novemente, e novamente... Ela disse não posso. Enfiou-lhe o dedo na cara e disse que tudo estava errado. Ele não conseguia entender. Estavam juntos, estavam felizes, era o que tinha que ser. Saíra correndo do apartamento. Ainda despenteado ele correu, saiu da porta com a blusa ainda pela metade da barriga. Ela esperava, impaciente e pensativa o elevador. Sentiu sua aproximação. Com um olhar disse basta. Muito mais que gritos e braçadas, ela lhe olhou, e ele entendeu. Ela precisava de u

O sono.

Arrastou a mão pelo rosto para limpar a baba que escorria do sono ébrio. Sentiu a barba mal feita, a mais de mês não sabia o que era uma lâmina. A mente ainda turva. O corpo suado, ainda nu sobre os lençóis molhados de suor, mesmo do lado do ventilador Arno de pazinhas azuis do paupérrimo e minúsculo quarto em que se encontrava. Lentamente a cabeça retornava ao local. Esfregou os olhos vermelhos de álcool. Os pés sentiam o chão de cimento queimado esperando por uma vassoura, que certamente viria ao amanhecer, quando o movimento da casa amornasse. Persistia ao longe um som bonito e cadenciado de uma sanfona harmônica, dois outros três vozes trôpegas acompanhavam o som melodioso do já embriagado maestro. Ainda suado e babado vestiu as puídas peças de roupas que estavam no chão, ao lado das roupas miúdas de sua acompanhante que não estava mais lá. Não teve coragem de olhar. A íris já se acostumara com a escuridão quebrada apenas pela luz fraca e amarela do poste que entrava por uma b

A Gorda.

Passava lentamente a escova macia pelo cabelo. Fios e mais fios ficaram nas cerdas. A visão do cabelo caindo lhe deixara meio zonza... - Merda, de novo! Era a terceira vez nesse mês que Camila desmaiva, e ainda era dia 16. Só podia ser culpa dos remédios que os pais estavam dando pra ela. Fora forçada pelos pais e pelo médico a tomar uns antidepressivos tricíclicos. Disseram que faria bem, que lhe auxiliaria a enfrentar o problema. Como estavam engandos. O maldito remédio estava deixando ela com a barriga mais inchada. Ai meu Deus, onde vai parar esse bucho... Gorda! A única palavra que conseguia pensar ao olhar seu corpo no espelho. Estava gorda e flácida. Era assim desde pequena, no início achavam até bonitinho, mas quando foi crescendo começaram os apelidos. As crianças, ah as crianças. Ingênuas... sinceras... Cruéis! Rolha de poço, baleia, bola de basquete... GORDA! Ahhhhhh.... Limpava o liquido nauseabundo que escorria pelo canto da boca, uma massa verde e azeda saíra pela boca.

Jonnhy era um homem legal.

Catherin ficou muito apreensiva quando o pai chegou com a notícia, estava prometida para um homem que nunca vira na vida, mas que tinha dinheiro suficiente para convencer o pai de que daria um bom futuro para a única filha dele. Consternada e contrita subiu ao altar. Surpreendeu-se de como ele era belo e forte. Os cabelos loiros caiam pela testa em um penteado que dividia os fios ao meio, a barba rala e por fazer dava um aspecto de trabalhador e ao mesmo tempo de machão. E ele era. Impressionou-se como todos na pequena cidadezinha do oeste americano respeitavam seu novo esposo. Sempre o cumprimentavam, os presentes foram tantos que ela demorou uma semana para terminar de abrir todos e coloca-los em algum lugar dentro da casa grande e maravilhosa em que agora morava. Tiveram cinco filhos, ele não dava descanso para Catherin em nenhum momento. Era presença garantida na cama da esposa mesmo quando a barriga já estava crescida. Ah, e como era bondoso com ela, dava-lhe tudo do bom

Morreu Carlos...

Eram duas horas da tarde quando a musiquinha do plantão da tv tocou. Morreu o deputado Carlos Cavalcanti, 62 anos, trinta deles dedicados a vida pública, passou por cinco presidentes, exerceu cargos de chefia em várias estatais, por três vezes fora ministro nas mais diversas pastas... Comprara um palacete no interior do estado, tinha mais de quinze processos nas costas, fora visto com pelo menos cinco prostitutas no paraíso fiscal a dez anos atrás sem falar que depois descobriram que tudo fora pago com dinheiro publico, desviou verbas da merenda escolar. Já vai tarde. Horrorizada, Maria Helena, no auge de seus cabelos brancos olhou para o filho, com um ar atônito de quem havia acabado de intender tudo. Já vai tarde este filho de uma puta. Abraçaram-se, juntos abriram a Sidra que estava guardada para o fim de ano. Não foram os únicos, conseguiam ouvir fogos na rua. A polícia fora mandada para intervir. Cacetetes argumentaram com bastante eloquência. Silêncio, afinal o país estava de lut

Miopia! ou A beleza de um Atari.

Queria eu ser míope. Queria ver tudo igual a um borrão, Por que assim, todos seriam iguais, não haveriam nem bonitos nem feios, nem héteros nem homossexuais, não haveriam cabelos da moda e cortes ultrapassados. Haveria ainda algumas diferenças, essas não poderia apagar. Talvez sejam ate mesmo necessárias para fazer o mundo ser divertido. Quem sabe, se a vida fosse um jogo, não igual a esses moderninhos de computações gráficas perfeitas ou simulações realistas. Seria bom se a vida fosse um grande Atari, onde todos fossemos bonequinhos e três ou quatro pixels, ai queria ver se ainda teria tanta gente se matado e se odiando... Querem tanto me fazer ver... me dizem tanto para abrir o olho, acho que o melhor seria fechá-los e não ver nada, so sentir. Sentir o calor de meu amigo, a voz afável de meu irmão, o carinho de minha namorada, o companheirismo de meus colegas. O vento frio e o calor do sol, pronto, só isso, sem tantos detalhes, sem tanto disse me disse ou chororô, só se

O nascimento.

Eram dias lindos, o vento corria solto pelas matas, passava safadamente dando beijos apressados pelos rostos das folhas verdes da primavera, e estas, nem tempo de reagir tinham. Mal o vento vinha, já se tinha ido. Arrastava consigo o odor gostoso de grama molhada. Os animais eram poucos, mas bem grandes, e do alto de seu tamanho descomunal não faziam um único urro ou grito incompreensivelmente assustador, eram os senhores e calmamente viviam e sentiam, expressavam sua vontade com paciência e eloquência. E assim, era. Mas havia, em meio a todos os bichos, um que não partilhava dessa felicidade, era um dos poucos que podia ficar em pé, mas quase não o fazia, passava dias inteiros de costas pregadas ao chão, as plantinhas até o cobriam, pensando se tratar de mais uma pedra no meio do caminho. Até que: Ai, ai. Corriam feito loucas, era um salve-se quem puder, mais uma vez haviam cometido o erro de se pregarem aquele monstro que de tão cego, não via que ao se levantar com pres

Fio do tempo.

O barulho contínuo das lâminas da tesoura produzia um encanto aos seus ouvidos, as mãos hábeis do cabeleireiro iam moldando o já há muito fora de corte cabelo dele. Com a cabeça ereta buscava acompanhar o desenho que ia sendo produzido. Os olhos acompanhavam ponto a ponto, até que, ao seguir um tufo que fora ceifado, a vista baixara alguns milímetros e se deparara com o olhar, seu próprio olhar. Mas quem era aquele que via diante de seus olhos? No espelho refletia mais, bem mais que a si próprio. A luz amarela vinda da rua, quente de véspera de meio dia era combatia, justo ao meio de sua face pela luz branca vinda de um pequeno foco de luz fluorescente suspenso na parede por um daqueles adaptadores que se coloca direto na tomada. No meio dessas luzes estava ele. O rosto lhe parecia tão estranho. Via um homem, com um rosto marcado, tantas rugas, tantas lembranças. Ao acompanhar o tracejado de uma delas que brotava no meio da testa sempre que levantava um pouco as sobrancelhas, se

O sacrário - Final

O sol alaranjado marcava o fim de mais um dia... O vento balançava forte as árvores daquele campo santo... Um misto de comoção e alívio, indignação e incompreensão permeava todos que lá estavam... Enfim tudo acabava. Havia grupos bem definidos. De um lado os donos das empresas de jornal e televisão, felizes pelo pão-nosso-de-cada-dia garantido por pelo menos 15 dias de repetições ininterruptas daquele caso, que acima de tudo, era insólito. De outro, dois ou três parentes do jovem Matheus que vieram despedir-se. Ele precisava ser pranteado, ele precisava descansar, depois de tudo... Os mesmos dois ou três parentes da mãe, Mariana de Albuquerque, enfim partia desta vida. Que o diabo a levasse por tudo que os fizeram sofrer! Em meio a tudo isso, a professora, o policial e o réu. ... A fumaça subia como um incenso que leva a pequeneza humana a entrar em contato com Deus, ou com os deuses... As cinzas são jogadas ao vento e assim mergulham novamente na c

O sacrário - parte IV

Não podia mais fingir que nada sabia. A situação tornara-se crítica, precisava arrumar coragem para sair de seu escritório e ajudar com o que pudesse. A viagem seria longa, mas não podia continuar assistindo tudo aquela distância. Malas feitas, roupa impecável, passagens compradas... 13 horas de viagem entre Londres e o Rio de Janeiro. Em fim, estafado chegou. Com a roupa em frangalhos e o cabelo desgrenhado viu o corpo magro deitado na cama de hospital. Aquela nem de longe lembrava a Mariana que lhe visitara há alguns meses para o curso de verão, apaixonada, sedenta por conhecer mais. Era uma mulher forte, marcada pelas preocupações provocadas pela doença do filho, mas mesmo assim, uma mulher forte. Não foi difícil entrar no leito cinco estrelas em que ela se encontrava, mesmo ele achando que as vezes não valia nada depois de todo o sofrimento que causara a sua própria família quando trocou sua esposa e duas crianças por aquele amor de verão com a jovem modelo brasileira, mesmo as

O sacrário - parte III

Costelas a mostra... Cabelo desgrenhado... Chão de cimento queimado... Luz de cinco velas azuis e pretas... Uma refeição... O corpo nu da mulher parecia emerso em um transe. Com olhos vazios para o mundo mas aberto para uma outra realidade a mulher comia sedenta. Seu corpo definhado era mostra da fome que aquele ventre carregava. O fedor era imenso. E acima do prato imundo uma foto da criança. Juliano parou por dois segundos, estarrecido com aquela cena com ar de sobrenatural. Não havia crime algum, só uma loucura... A imersão era tão profunda que a mulher nem notou a chegada do policial. Comeu! Com toda a fome que há no mundo, com todo o desejo que há sobre a terra, comeu! Ao terminar o corpo esquálido despencou. A respiração intensa foi dando lugar a curtas e desesperadas tentativas de fazer o ar entrar. Debatia-se. Sem ter o que fazer Juliano assistiu atarantado a cena, até que, contorcida e ferida a imagem sepulcral parou. Com baba na boca e olhos virados, parou. ... Mariana de Alb

Defesa do mestrado - link para o texto

Aos meus amigos, peço desculpas por não ter escrito com a mesma periodicidade no blog. Contudo, foi por uma boa causa. Segunda-feira dia 11 de julho de 2011 defendi minha dissertação de mestrado intitulada "Valei-me São Sebastião": a epidemia de cólera morbo na vila de Maranguape . (1862-1863) - que foi aprovada. Como estava concentrado estudando para a defesa não conseguia escrever, entretanto, defesa feita, título obtido, voltamos a plenos pulmões e com gás novo. Esses dias espero colocar as publicações em dias. Deixo abaixo o link para o texto completo de minha dissertação publicado em modelo issu. http://bit.ly/nyNbGN Espero que gostem. Até logo!

O sacrário - parte II

Extrato de tomate, maionese, mostarda... fazer as compras para a grande maioria das pessoas poderia ser uma atividade massante, mas até que ela gostava, era um dos poucos momentos em que a professora deixava de lado sua vida de aulas e provas intermináveis. Dentro de casa, sempre havia algo a preparar para a escola e lá no supermercado podia dedicar-se apenas para sí. Não que fosse egoísta, mas é que as vezes é bom. Mas...opa....não acredito, aquela mulher aqui? Nesse mercantil de bairro? Correndo a professora tentou alcançar a figura magra que se apressava pelos corredores. Tinha certeza, era a mãe do Matheus, bem mais magra, mas era ela, não podia deixar de reconhecer aqueles ombros. E não podia perder a oportunidade de saber mais sobre o garoto. Há um mês fora expulsa da casa dela, e nunca mais recebera notícias do garoto. A mulher entrou apressadamente na Pajero preta e saiu rapidamente. Deixando as compras de lado a professora entrou em seu carrinho 1.0 na mais crédula esperança d

O sacrário - parte I

Arrumava o cabelo. Descansara cinco minutinhos dentro do carro com o ar condicionado ligado a fim de minimizar as consequências de um dia inteiro, dois turnos com alunos mimados da Escola Elite. Após uma rápida checada no espelho, a professora desceu do carro, e, após a autorização do inter-fone entrou na casa de jardim grande e fonte de madeira emanando vida e calma. Sempre sonhou com um jardim daqueles, mas com o salário de professora que ganhava, a muito já se conformou com a piazinha de água benta feita de biscuit que tinha na porta de casa. Dentro da luxuosa residência sentou-se em um sofá de uma maciez tão inesperada a e assustadora que chegou a dar um rápido pulinho por causa do susto. Incomodava-lhe apenas aquele cheiro meio desagradável que vinha do interior da mansão. Após alguns minutos a dona da casa chegara: linda e jovem, dentro dum moleton cinza, largo e despojadamente caindo pelo ombro direito. Formalidades pra lá, formalidades pra cá. Um pouco de vinha e voilá: - Como