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Mostrando postagens de novembro, 2015

O mártir - final.

Era uma manhã de sábado. As folhas das árvores caiam intensamente. Era outono, o inverno já se anunciava com força. Logo as ruas de Roma estariam um pouco menos habitadas pelos eternos mendigos que davam a cidade um som ininterrupto de moedas batendo contra canecas. Por enquanto ainda resistiam. Muitos nem sequer repararam no ser cambaleante que percorria as ruas que davam para o palácio imperial. Tantos outros seguiam o mesmo caminho. Era dia da justiça de Júpiter. O imperador ouviria alguns reclamantes até se aborrecer e colocar algum magistrado para resolver os problemas mais simplórios como sempre fazia. Cada um que entrava no palácio levava algum presente para Maximiano César. Não que ele precisasse. Nada lhe faltava, era o senhor do mundo. Por isso mesmo receberia os presentes, não por precisar mas sim por merecer. Setenta e duas pessoas foram admitidas pelos guardas dentro do cercado que separava a praça das escadarias onde o deus romano atenderia aos miseráveis que lhe

Nanoolhos

O carregamento deveria chegar por volta das dez e meia da noite. O carro forte com placas de diamantita e era tripulado por três soldados em exotrajes com dois drones de combate dando suporte aéreo. A carga de hoje era especial, dois potes de biodados com lembranças do primeiro-ministro Cunha. Hermes sabia do risco, mas queria enfrentá-lo mesmo assim. Era um daqueles que podiam chamar de inconformados. Eles faziam parte de um movimento que intencionalmente removeu através de cirurgia as lentes de suas vidas. Mais do que isso, acreditavam que esses recursos tecnológicos excessivos que permeavam cada passo deles na sociedade só os tornavam reféns. No início os nanoolhos foram bem vindos. Auxiliavam a recuperar a visão de pessoas vitimadas pelos gases tóxicos usados pelos martiáquicos na guerra dos mundos em 2130, mas não havia nada que o biocapitalismo não conseguisse transformar em lucro. Em menos de dez anos protótipos bem mais leves e em formatos de lentes já estavam a venda

Letras ao vento.

Coisa ruim é querer escrever sem bem saber o quê. O pior ainda é saber sobre o que não se quer falar. Porque se contrário fosse, qualquer coisa já era boa o suficiente. Não o sendo se fica com a sensação de que já o pouco que se tem é o bastante. Mas não é. Muito querer falar parece causar engarrafamento de letras. Ainda não entendi bem se na ponta da goela, se no estreito dos punhos antes da rotatória da mão que leva as bifurcações dos dedos ou se travam logo ali perto mesmo do juízo, na parte frontal da cabeça. Deve ser por lá. Deve ser por isso que o espirro estava tão insistente. Eram letras presas. Talvez, só talvez, quem sabe, se juntasse todos os escarros no papel teria algum texto que fizesse sentido. Ou não... quem é que vai saber?