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Mostrando postagens de novembro, 2014

(In)Tangível

Era linda. Era incrível. Lembrava a mulher que pintava naqueles rabiscos no caderno. Era aquilo que queria. Amava o sorriso. Deslumbrava-se com o olhar. Encantava-se com o suspiro concentrado. A pele arrepiava sempre que estava próximo e sentia o vento quente que lhe saia das narinas. Ele era inteligente. Era muito boa pinta. Chegou tão cedo e mostrou que era tudo aquilo que podia esperar de um alguém. Adorava o riso fácil que ele tinha. Achava incrível como ele se concentrava em tudo que ela lhe dizia. Os abraços sempre bons faziam com que as chegadas e as partidas fossem sempre aguardadas, mas sempre as primeiras mais que as segundas. Foram um do outro. Ela sabia que era ele. Ele soube que era ela. Mas um quis quando o outro não queria. Ela quis quando ele não podia. Nunca foram, mas sempre puderam ser.

A luz piscando

Olhou mais uma vez. Ainda não conseguia acreditar. Talvez fosse tudo uma loucura provocada pelas horas a fio frente a tela do computador, do tablet, do celular. Precisava fazer alguma coisa. Tinha quase certeza de que sabia o que devia fazer... Mas por algum motivo não conseguia fazer. Já tinha treinado aquilo umas trezentas vezes... na frente do espelho, no caminho da escola, durante o banho... Ensaiara cada palavra que deveria dizer e cada resposta de acordo com qualquer um dos cenários possíveis. Analisara todas as variáveis. Sabia exatamente como agir. Não ia conseguir... era melhor ignorar. Tentaria outra hora... Mas que merda... e agora essa luizinha azul que entrega que ele leu... Tinha que responder... Não... deixa pra lá, ela deve ter clicado no rosto errado e me chamou por engano. Só pode. Isso, é isso. Foi tudo um engano... ou pior, uma hora dessas, em uma sexta-feira, ela pode estar bêbada... Se eu responder a ela estaria tirando vantagem de alguém ébrio... Is

O cimento da paz

A madrugada foi extenuante.  O corpo completamente dolorido até sentia saudade da dormência de a poucos dias atrás. Mas agora que se livraram dos corpos até sobrava espaço suficiente para conseguir esticar as pernas. Sem falar que os cadáveres empilhados faziam com que a barreira aumentasse a altura do buraco e pudessem até mesmo ter o luxo de parar de caminhar agachados ou rastejando.  Depois de duas horas catando os piolhos escutou o grito de jubilo a sua direita! RÁ!!! CONSEGUI.  Von Martius exibia o rato agarrado pelo rabo como rico pescador expunha seus troféus. Jörg também partilhou do jubilo de seu irmão de trincheira. Há mais de dez dias não recebiam nada das linhas de abastecimento. Pelo barulho das explosões sabiam que haviam ficado em meio a uma linha de fogo cruzada e que as bombas inimigas conseguiam atravessar sua linha de trincheira... O que era mais desesperador, afinal, se conseguem acertar mais longe... porque não lhes acertariam t

O Mártir

As escadarias íngremes e cheias de bolor eram uma verdadeira armadilha. Cuidadosamente os outros dois vinham esfregando as mãos nas paredes de pedra para tentar manter o equilíbrio sempre que pisavam fora do caminho aberto e seguro pelos passos constantes dos carcereiros e que o líder do grupo conhecia tão bem e percorria com uma destreza própria da automação dos movimentos. Precisamos ser rápidos parecia dizer a luz sempre rareante que ele levava na mão esquerda e que estava sempre a um passo de desaparecer dos vacilantes seguidores. A luz ficou constante. Haviam chegado. Corpos nauseabundos jogados a esmo ao longo do grande salão anunciavam as boas vindas ao cárcere. Pedaços desconexos de corpos misturados ao odor pululante de pus, sangue e merda foram tão agressivos que a visão do mais jovem variou, sentiu as pernas cambalearem e como se um soco comprimisse seu estômago. Vomitou, sem aviso, sem barulho... vomitou. Quando a vista retornou percebera que havia acertado a cabeça de