O Mártir

As escadarias íngremes e cheias de bolor eram uma verdadeira armadilha.
Cuidadosamente os outros dois vinham esfregando as mãos nas paredes de pedra para tentar manter o equilíbrio sempre que pisavam fora do caminho aberto e seguro pelos passos constantes dos carcereiros e que o líder do grupo conhecia tão bem e percorria com uma destreza própria da automação dos movimentos.
Precisamos ser rápidos parecia dizer a luz sempre rareante que ele levava na mão esquerda e que estava sempre a um passo de desaparecer dos vacilantes seguidores.
A luz ficou constante. Haviam chegado.
Corpos nauseabundos jogados a esmo ao longo do grande salão anunciavam as boas vindas ao cárcere. Pedaços desconexos de corpos misturados ao odor pululante de pus, sangue e merda foram tão agressivos que a visão do mais jovem variou, sentiu as pernas cambalearem e como se um soco comprimisse seu estômago. Vomitou, sem aviso, sem barulho... vomitou. Quando a vista retornou percebera que havia acertado a cabeça de alguma criatura tão demente e cadavérica que não sabia ser um homem ou mulher, apenas que a criatura lambia o vômito com o gosto da mais cara especiaria.
Recomponha-se Lino. Cleto, distribua os alimentos. Falou com voz forte o jovem lider do grupo aos dois adolescentes que o acompanhavam.
A mim, resta distribuir a fé. Perseguinou-se e começou a entoar cânticos e orações, passando de prisioneiro em prisioneiro, oferendo uma palavra de conformo, um abraço e logo depois vinham os dois com um pouco de comida.
Já bem próximos do ultimo dos homens, o jovem sentiu uma mão puxar-lhe o manto. Por baixo das vestes esfarrapadas a luz sumia. A armadura negra alimentava-se de luz e deixava claro quem era. O dono da mão soltou um gemido fino de dor e depois acusou: você nos engana, não passa de mais um dos monstros. Essas vestes pretas não mentem, pretoriano.
Alguns dos semi-cadáveres ao seu redor sobressaltaram-se apenas a menção do nome... Era aquele homem um membro da guarda imperial de Roma. O que poderia estar fazendo ali, dentro das catacumbas do cárcere romano se não matando-os ou envenenando-os para que sua agonia fosse mais intensa e duradoura? Afastaram-se, cobriram os olhos com as mãos, alguns outros gemeram baixinho. Estavam cansados de sofrer.
Não lhes dei palavras, comidas e conforto? Por que me temem pela veste que uso? Sou um de vós. Sou também um cristão. Venho para mitigar-lhes a dor. Vou até os outros para mostrá-los que não precisamos ser temidos. Portanto... fiquem tranquilos, é em nome de Deus que vos procuro, não do imperador.

As palavras pareceram ter surtido efeito, todos acalmaram-se na grande sala. O homem que descobriu-lhe as vestes foi o mais contente. O sorriso verdadeiro que brotou-lhe do rosto demonstrava que encontrava o que tanto procurava...
Os três cristãos foram embora da cela, mas Claudius tinha agora a resposta, sairia dali, acabava de encontrar a chave que lhe abriria mais uma vez a porta para o mundo, e por cima daquele cristão, sairia do mundo dos mortos e mais uma vez caminharia no mundo dos vivos.

   

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