Postagens

Mostrando postagens de 2016

Fatigué

Je veux pleurer... Mon cœr est fatigué A lá foi rêve de la Nouvelle Et visage Le plus ancienne , sale et laid ... Le monde semble tournerà l'effet contraire . Le bien souffrir... A la foi que le male sourire . Je suis fatigué.

Futuro do pretérito.

Houve um tempo em que tudo era sonho. Um amontoado de possíveis. Sorrisos trocados, beijos, abraços, carreiras e um mundo de possibilidades. Esse todo agora não passa de cinzas. Um grande futuro do pretérito que conjurava com medo e inocência. Queria ele que tudo aquilo fosse hoje lembrança. Quem dera pudesse agora, ao coçar os fios brancos da barba, poder lembrar do quão bom foi o caminho... Contudo, uma vida feita de poréns é feita mais por frustrações do que lembranças.

Faça-se a vida...

Que fim terá levado a traída Bárbara? Para onde foram o Alberto, a Bia, os amores narrados e nunca conclusos, em que lugar andaria aquele coitado de quem riram na escola? A merda no meio da sala terá sido lavada? Viu-se no meio de um mundo de personagens e narrativas. Percebia que bastava uma simples vontade comprimir as teclas corretas e uma vida poderia se esfacelar como o vidro do carro ao tocar da mão, bastava seu querer e o homem desistia de se jogar do alto do prédio para tentar recomeçar, mas onde estaria? Teria ele enfim se redimido, comprado o apartamento e buscado desfazer tantos males? Percebeu-se um irresponsável. Dera-lhes vida. Por um breve instante lhes deu toda a atenção. Todos os outros ficavam de lado para que um novo pudesse surgir... Sentiu-se déspota. Teve saudade e pena de cada um... Por fim sentiu medo. Era mais seguro nunca mais escrever. A escrita lhe tornava um aprisionador de palavras e de sujeitos possíveis.

Uma balada de adeus.

Os olhos perdidos não tem nenhuma ruga. As mãos ainda gulosas de vida sustentam os queixos ainda incrédulos. As mochilas nas costas entregam que ainda estão em formação. Ainda tão jovens já sendo provados pelo crivo da vida. Ao longe um som de violão e vozes agudas e embargadas cantam uma baladinha que fala de saudade. Dessa vez não apontam para a falta de um amor que os arrebate. Tão mal cresceram ja tem uma parte de si podada. Aprendem com a dor mais doída de todas uma grande verdade, por incrível que pareça não são invencíveis. A vida é um instante, as vezes mais breve as vezes mais longo. Todos pareciam achar inacreditável que entre aqueles que pranteiam não sobrassem rugas, peles flácidas e mágoas... Mas a morte pode até ter suas preferências, mas ela ainda gosta de nós surpreender.

Verdade gástrica.

As rugas saltadas na testa já eram cada vez mais marcadas. O olhar franzido, a boca arqueada e acima de tudo o gosto de vômito na boca não lhe deixava esquecer... A vida era feita de contas, de compromissos, de metas, de fingir estar tudo bem e de se fazer forte frente aos outros. A verdade latente estava para além das palavras ou do riso falso. Queria dizer que era como uma balada clássica do Bob Dylan mas nada lhe expressava melhor que o eterno Marvin de Nando Reis anunciando que agora era só ele e que de uma hora para a outra sentia todo o peso do mundo em suas costas. Esperto era Schopenhauer e seu eterno pessimismo...

A roupa

Ainda com a cara meio emburrada o pequenino vestido de bermudão azul, camisa branca e suspensório olhava para o avô com uma chateação latente. - Diga meu netinho. O que lhe incomoda tanto? - Vô, eu até entendo que eu esteja dentro dessa roupa, fantasiado pela minha mãe, mas o senhor ficou aqui sentado, aceitou a primeira roupa que ela lhe trouxe e ainda fica aí com esse sorriso bobo. - E que motivo eu teria para não sorrir? - Ora... Ela fez com o senhor o que quis. Cadê a sua vontade nessa escolha? - Meu jovem... Minha maior vontade era aproveitar essa noite de festa. - E como você pode aproveitar assim, sem nem ao menos estar com a roupa que quer? - Hahaha, é isso mesmo. Mas eu poderia escolher estar com a roupa que eu quero é toda vez que olhar para a sua avó ver uma cara emburrada, ou deixar que ela escolha e trocarmos sorrisos. - Mas e a sua vontade? - Ora, mas a minha maior vontade não era aproveitar essa noite?! Qual melhor acessório para um dia feliz do que um sorriso.

O trilho e a encruzilhada.

Era a quarta vez nesta mesma semana que se via no meio de um lapso temporal. Vivia o presente na mais plena certeza de que em algum momento passado ja havia visto aquilo... Os sonhos que outrora pareciam um emaranhado estranho de pessoas e situações, que o colocavam inclusive em lugares onde ainda não tinha estado, naquele microssegundo parecia fazer sentido. Em não menos que um instante tudo passava e voltava a viver o fluxo normal. Geralmente fazia de conta que nada havia acontecido e continuava, contudo, eles vinham ficando cada vez mais frequentes e isso lhe despertava uma inquietação raivosa... Será que afinal das contas estava tudo dentro de um único trilho ou seriam todas as encruzilhadas de sonho-memoria-presente um misturado de situações que o subconsciente juntava aleatoriamente? Não sabia, e na bem da verdade, temia saber.

Pausa.

A lua brilhava com uma intensidade incrível. Por algum daqueles motivos que normalmente eram explicados em alguma matéria bem chamativa do Yahoo ela estava lá, majestosamente se impondo aos olhos. Encantado por ela, esqueceu suas pequenas dores internas. Armou uma rede no quintal de casa, abriu uma cerveja, sentiu o vento roçar a pele e apenas sentiu... As vezes a vida nos impõe uma pausa.

Um bom ouvinte.

- Cara, nem te conto.. - Conta má, pode dizer, o que foi que aconteceu? - Foi assim, tu se liga que eu mudei de trabalho ne? - Sim sim, cara, mudar de trabalho é foda, a ultima vez que eu mudei de emprego foi um drama porque eu já vinha há mais de seis anos fazendo a mesma função lá na empresa do seu Carlos e tipo, de um dia pro outro eu tive que assumir um setor completamente diferente, tu sabe né?  - Pois é... - Você passa um tempão se dedicando há um setor de depois muda total é difícil, acho que se fosse outro tinha pedido arrego porque é puxado, ainda mais quado você chega num setor em que todo mundo já trabalha junto há um tempão. - Uhum... - Daí você é o que?! O intruso que tá lá pra mexer no que ta quieto, então tem que lidar tanto com a novidade no serviço como também com a cara de cú do pessoal do setor que não quer te ajudar a se adaptar e tals. Tu se liga né? - Sim sim. - Pois é, mas enfim, tu viu o jogo do Flamengo? Puuuuuuta que pariu, aquele Diego ta j

O golpe.

O corpo estava dolorido, somatizando um sentimento obscuro e obtuso. Lembrou de Nando Reis e "o dia que roubaram seu carro deixou uma lembrança", lembrou de cada lição aprendida. De cada foto, de cada depoimento, de cada vídeo de sofrimento daqueles que vieram antes de si. Não a cria a mais preparada, muito menos a mais eloquente, contudo, havia chegado lá por merecimento. As coisas mudavam, assim como na "roda viva" de Buarque, grupos que a dez anos andavam de cabeça baixa e sussurrando seu ódio ao diferente agora o gritavam em alto e bom som. Queria dizer que tudo mudou em um rompante e que por isso fora pegue de surpresa. Sabia que seria uma mentira e por isso precisava admitir, vira a golpe chegar. Há mais de três anos ele se anunciava. Agora, apenas amadureceu. Mas tendo-o visto ou não, a sensação de dor era a mesma. Roubaram-lhe o que havia de mais sagrado. Sangraram-lhe o peito e escancararam a verdade: seus sonhos não valiam nada, sua luta fora em vão.

Medo

Sentiu e não era primeira vez que sentia isso. O peso da cabeça só era superado pelo aperto no perto que lhe dilacerava as esperanças. Os olhos injetados teimavam em não focar no quer que fosse. A mentia corria a léguas, passava por montes, lagos e desertos, mas em nenhum momento prendia-se onde deveria estar. Confiava em si. Sabia o que devia ser feito. Esforçou-se, na medida do possível. Mas o medo era real. Sentia que não era o bastante, apesar de saber que era o possível. Mas seria o possível o suficiente?

A lição.

Os aplausos enchiam os ouvidos, preenchiam cada pedaço daquela sala. Todos estavam felizes. Há um bom tempo o professor não aparecia pela escola.  Mas todos lembravam dele. Todos tinham saudades dele. Todos preservavam na memória risadas que deram junto dele.  Estavam prontos para ouvir. . .. ... .... ..... Impassível ele olhava para todos. As palmas que já tinham se perdido no espaço haviam dado lugar a um silêncio que já beirava o constrangimento. Alguns olhares começavam a se procurar sem saber o que fazer. A frente da sala ele apenas olhava para o vazio. Com um pequeno movimento de cabeça olhou em cada olho que o mirava. Um sorriso suave e quase imperceptível fez subir o canto esquerdo do seu lábio. Fez um meneio com a cabeça e saiu da sala sem dar uma única palavra. . .. ... .... ..... Foi assunto por meses. Ainda hoje, alguns anos depois, pessoas que estiveram na sala falam sobre o silêncio. Não poucos comentam sobre tudo que ouv

O arqueiro

A cena era fenomenal. As flechas preenchiam toda a parede lateral da casa. Algumas ainda fixavam-se ao longo do jardim. Os soldados entraram pisando leve mas falando alto. Tremiam de medo. Estavam no território de alguém impressionante. Ouviram o rangido da cadeira de balanço. Podiam vislumbrar a silhueta do velho homem que segurava o arco no colo. Ao seu lado, uma criança pequena olhava atento para ele. Com um pequeno movimento todos os soldados correram desesperadamente. Enquanto isso, o velho ergueu mais uma vez o arco. Mirou contra um espaço vazio da parede. A flecha cortou o ar e repousou com força contra o muro de taipa. O garoto correu com dois baldes, rapidinho pintou dois círculos vermelhos e azuis. Pronto, mais um alvo perfeito. - E é assim meu neto que sempre alcança os sonhos, não traçando meta alguma.

O encontro.

Os olhares encontraram-se Por meio segundo o que antes era perdido se fez achar Por um breve instante se pertenceram Para num piscar se desencontrarem Até nunca mais se acharem.

Roteiro da conquista

Atentamente esperava o momento certo de falar. Estudara previamente cada uma das palavras. Sabia exatamente o que dizer, em cada uma das vinte e cinco realidades possíveis. Treinou cada uma das entonações. Lembrava exatamente o que dizer, quando dizer e como dizer. Ela vinha na direção dele. Calma, se falar agora vai parecer alguém desesperado por atenção. Ela passou por trás dele. Manteve-se calmo. Queria parecer controlado para não dar a impressão errada. A distância agora era perfeita, nem perto demais que ficasse desconfortável, nem longe o bastante para precisar subir o tom de voz e chamar a atenção das outras pessoas na sala. Ela estava de cabeça baixa, tudo bem, está tudo sobre controle, ele pegou o livro que estava a sua frente, fingiu ler a capa até que ela levantasse o rosto. Estava tudo segundo o cronograma. Pronto! É agora. Ela olhou pra ele. A boca travou. Espera, vai dar certo, eu consigo! Pera... ela olhou através dele. - Oi bonita! Tudo bem? - Tudo. C

Maratonista

Sentado na poltrona de couro falso, a taça de vinho esquentando entre os dedos. O cabelo escorrendo sobre a testa e pregado no pescoço denunciava o suor. A casa inteira era um caco. Os móveis agora talvez não interessassem nem ao carreteiro. Os eletrônico não tinham mais fio ou motor que funcionasse. Do braço o sangue vertia em direção ao copo transformando o outro vinho branco em algo mais próximo de um rosé. Se ainda tivesse espelhos veria o corpo todo recoberto de marcas. Não havia osso que não lhe doesse. Contudo, houvesse um espelho, provavelmente não repararia nas ronchas ou nos cortes. Estava exausto, mas estava feliz. O cansaço que lhe amarrava cada músculo era semelhante ao do maratonista em fim de prova. Extenuara-se. Desgastara-se. Consumira-se. Mas sentia-se feliz... Enfim colocara pra fora a raiva que o consumia. Permitira que a bomba explodisse. Apagava tudo de até então e enfim podia voltar a ser. Sorriu.

Rotina

Casa Trabalho Casa Trabalho Trabalho Casa Casabalho Trabasa Catrabasalho

Sabedoria canina

Sábios são os  cães. Sem filosofia alguma encontraram a essência do ser. Conhecem uns aos outros pelos cus e pelos toletes solenemente repousados nas calçadas. Verdadeiras cápsulas de identidade. Afinal, todos nós estamos fadados, da primeira sinapse ao último suspiro, a fazer merda.

A demasia do excesso.

Estava cansado. Não do trabalho, ele era bom. Não da casa, la estava tudo certo. Cansou do exagero. De ver todos sempre tão hiperbolicamente felizes. Não se tinham mais fins de semana legais. Eram sempre os mais memoráveis. Acompanhados por amigos? Não, pelos melhores do mundo. A turma mais "top"... Nunca se estava triste. Quando se admitia alguma dor, essa era a maior dor do mundo... Que se explodissem os sofrimentos dos famintos e dos lutuosos, nenhuma dor nunca seria dor maior... Não se falava de política, torcia-se por ela. Não se defendia um ponto, brigava-se por ele. E ai de quem ousasse discordar... Mesmo que com argumentos, era apenas a opinião... Não conversavam mais, expunham aos gritos o que queriam. Não se rezava, obrigava-se a Deus a prestar atenção, nem que para isso fosse preciso fazer o som da exigência chegar até a estratosfera. Não via como seria possível, tanta taurina e tanto rivotril... Talvez faltasse o movimento suave com a ponta do lábio m

Haussá

A mãe alva como a neve. Dela herdou os olhos verdes e o desapego com a aparência. Do pai veio a malemolência baiana. A altura e os cabelos de haussá. Sempre viveu mas pouco conviveu. Estranhava porque os pais dos colegas se apressavam quando ele chegava perto. A adolescência lhe deu um experiência estoica, vivendo em um exílio não-auto-imposto. Refugiou-se nos livros. Conheceu Tostoy, Bakhtin, Heidegger, Fourier, ... Sem ter muito o que fazer foi a tal roda de conversa para debates sociais. As palavras que lhe fluíam da boca foram bem aceitas. Sentiu-se em casa. Foram seis meses perfeitos, até o dia da eleição do conselho diretor. Acusado de "preto imundo" viu todo o restante da história por detrás de uma cortina d'água que lhe encheu os olhos. Assim nasceu e morreu um comunista.

Dia de chuva

Eram três da tarde. O céu negro fazia parecer oito da noite. Ela só queria estar enrolada, em cima da cama, de meia e tudo... quem sabe com uma costela do lado. Ele só queria que aquele dia de merda acabasse. Tinha estudado horrores e mesmo assim a nota foi uma bosta, quem sabe se aquela menina dos sonhos de colegial estivesse com ele hoje, teria onde reclinar a cabeça e chorar a raiva de não ter conseguido. Ela caminhava um passo ligeiro de quem teme a chuva. Ele ia marchando lento debaixo do guarda-chuva ao ritmo da musica que ecoava na cabeça. Juntos esperaram no sinal. Provavelmente eram a resposta que o outro precisava. Pararam um ao lado do outro. Mas estavam a um guarda-chuvas e um fone de ouvidos de distância.

Bons sonhos.

A mente viajada num misto de sono e cansaço. O olhar saltava de poste em poste. Eram os carneirinhos que lhe restavam. Lá fora a vida corria louca ao compasso da pressa. Há uma mão de distância, ele tentou saber o que se passava. Ela estava lá do outro lado. Ele queria descansar. Ela queria esgrimar palavras. Preferiu se deixar ser golpeado e dormir o sono dos derrotados. Afinal, só queria descansar.

O juiz

Cerimonialmente adentrou. A presença encheu o espaço. O misto de garbo e empáfia acompanhados do cheiros inebriante de alfazema e talco. - Todos de pé. A sessão está aberta. O olhar vago deu lugar ao mais pétreo de todos. Mastigando o próprio queixo deixou suas duas mãos pousarem sobre a mesa. Solenemente proferiu: - A esbornia contudo. Arrancando a toga saiu em uma velocidade formulaumneana. Tem mais o que fazer do que julgar a vida alheia.  

Eternos?

Só essa semana era o décimo quarto caso de suicídio na área de Menelau. Pela décima quarta vez não havia carta de despedida. Não se sabia ao certo o motivo da atitude. O sistema médico era bom. Nunca viveu-se tanto. As crianças mal conseguiam acreditar quando a professora falava na escola que há menos de setenta anos as pessoas no país tinham a expectativa média de vida de 70 anos. Hoje, espera-se pelo menos dez anos a mais que o dobro disso. Vencemos a barreira do primeiro século. Alguns cientistas apontam para a possibilidade de termos ainda nessa década os primeiros casos de pessoas com mais de oito quartis de vida. Contudo, nunca as pessoas mataram-se tanto. Temos tempo para tudo. Controlamos muito bem a natalidade. Mas ainda não sabemos ao certo as causas da mortalidade. Não as causas das doenças, essas conhecemos bem, e controlamos a grande maioria delas. Não a causa da violência urbana, conseguimos medidas bastante positivas nessa área. Nunca estudamos tanto. Nun

Clichê (s)

A alma combinava perfeitamente com o corpo cansado. Sentia a ponta dos dedos frias como se tivesse acabado de pegar em cubos de gelo. Teve meio milionésimo de segundo de satisfação ao arrumar coragem (nos dois sentidos do termo) para levantar-se da cadeira do computador onde estava sentado desde que chegou ao trabalho pela manhã cedo, e fugiu para casa faltando sete minutos para as cinco horas. Era uma rebeldia tosca, mas era alguma. De dentro do carro vivia um clichê. As mãos guiavam o volante do carro pela pista de alta velocidade enquanto os olhos perdidos em um vazio distante vislumbrava apenas os vultos dos carros adiante de si. A mente absorta parecia hipnotizada pela trilha de fundo com as guitarras arrastadas e a voz melodiosa de Caetano que pregava que o lugar mais frio do Rio era o seu quarto... Que fosse, mas por essas bandas, sabia muito bem onde parecia ter se concentrado todo o frio e letargia do Nordeste. Em um soluço de vontade virou a direita onde sempre seguia r

A cova aberta

A reforma seguia a passos lentos. A merda da conjuntura econômica e política desafia a paciência e o bolso de qualquer um. Falou Carlos Mandreozzi para o casal de amigos banqueiros que concordavam com um movimento calanguesco de cabeça enquanto tragavam o vinho trivento malbec. A noite regada a safras não tão velhas quanto exigia o paladar dos consumidores deixou uma dor de cabeça leve na cabeça de Carlos que nem viu a hora em que Regina chegou em casa. Quando levantou, o som das marteladas constantes e repetitivas parecia um mantra monocórdio que lhe estourava os tímpanos. Depois do desjejum foi passear na praia e só voltou lá pro fim da tarde. Os trabalhadores de braços cruzados tomavam um cafezinho... Ousadia maldita de gente que não entende seu lugar. Chamando-o em um canto afastado, Pádua fedendo a suor e cimento sussurrou: - Seu Carlos, tem o negócio de uns osso aí... é... com essas coisas eu não trabalho não. - Pádua, eu tenho um deck pra construir, não quero saber de co

Diversão

O celular teimoso vibrava de modo insistente. Não havia nada mais odiável do que receber ligação no meio da escrita de uma frase no what's up. Era um diabo de uma vibração direta que destruía qualquer concentração e raciocínio. Ainda mais aquela barulheira toda dentro do quarto logo a frente. Olhou para cima. Sentado na poltrona rasgada para aproveitar o pouco de sol que entrava pelas tábuas que fechavam a janela lateral, tentou deixar o ódio escorrer. Quase com se fosse um óleo bem amargo que tinha dificuldade em descer goela abaixo. Não deu muito certo. Coçou a perna, depois o suvaco e por fim fungou. Tinha pegue esse cacoete em algum lugar. Nas três primeiras semanas tentou livrar-se dele. Agora... que se foda, já havia virado um ritual. A porra da mancha de infiltração no teto estava aumentando. Tentou concentrar-se de novo no celular. A merda do jogo não terminava de carregar as atualizações. E bem quando a porcaria pulou do 99% para alguma tela que desconhecia o mald

Os abençoados.

O ano era 2030, já se passavam quatorze anos desde que os casos apareceram. No primeiro ano, as crianças até nasciam, mas os poucos que sobreviviam tinham que lidar com as sequelas, o governo, para variar preferiu soluções simplórias. Ao invés de atacar o problema, inicialmente liberou o aborto das crianças deformadas. No ano seguinte, com a vitória do candidato de ultra direita, a interrupção da gravidez tornou-se obrigatória, o governo não poderia mais arcar com os custos do tratamento, seguindo o princípio do estado mínimo, o estado interveio de forma máxima na vida (e morte) das pessoas. Os dois anos que se seguiram foram piores. Os casos se alastram em escala quase que total no continente. As contas começaram a não fechar mais. A Europa envelhecida viu ai uma oportunidade. Os portugueses criaram um sistema de transatlanticidade cidadã, homens e mulheres em idade adulta e fértil que quisessem ter filhos poderiam imigrar para o país, contudo, deveriam pagar pelos dois anos de as

Lar

O escarlate das veias capilares saltava do espelho em meio ao brilho das gotas de água que jogara no rosto. Não sabe como começou, não tem nem mesmo lembrança de antes de ser assim. Sentia o peito acelerar, os olhos marejavam, e corria para o banheiro, o mais próximo que tivesse. Jogava água sobre o rosto e ficava fitando aquela coisa frágil do outro lado. Em uma experiência esquizofrênica tinha pena de si e ao mesmo tempo sentia a dor que o levava aquele mesmo ritual. Há alguns anos isso não acontecia. Desde que saiu da casa daquelas pessoas e entrou no seu próprio lar. Mas voltou a acontecer. Agora não sabia mais onde estava. Sempre repetia como um grande mantra: "Lar é onde posso ser fraco. Lar é o lugar onde posso sofrer."   De repente percebeu que não tinha mais um lar. O espelho voltava a ser o seu refúgio.  O cheiro de desinfetante, sua colônia.    

Nanoolhos - parte III

Sentiu as agulhas perfurando as terminações nervosas do corpo. Ao seu redor um liquido viscoso parecia recobrir a pele. Apenas sentia, não enxergava coisa alguma. - Você sabe onde está Francisco? Uma voz suave, com um tom terno de mãe chegou a sua mente, não sabia nem se havia entrado pelos seus ouvidos, ela apenas apareceu na mente, tão doce, tão terna e tão repentina que parecia familiar, parecia sempre ter estado lá. - Provavelmente em alguma delegacia de ordem e paz... - Abra os olhos. A ordem era imperativa, sem nunca ter pretendido ser uma expressão de força, mas era tão natural obedecer aquela voz que ele abriu instintivamente os olhos. Percebeu-se em um campo verde. O sol acima de si estava brilhante, mas não era quente, pelo contrário, o sol lhe dava o calor gostoso e necessário para que o vento não incomodasse. A frente uma grande árvore solitária e mais distante podia ver uma cadeia de montanhas. Sob seus pés o gramado ainda revolvido e rebaixado dava a entender que até

Nanoolhos - parte II

- Cara, é óbvio que estamos no limiar de uma mudança de sistema. - Francisco... sério... a melhor coisa que tu faz é ficar calado, porque ta ficando cada dia mais difícil conviver contigo. Eu não me deslogo pra isso não ó... - Pensa comigo Jones, sério, presta atenção tu também Marconi, desde a guerra dos mundos há 67 anos estamos consumindo o restante do corbescônio das colônias que permaneceram sob o controle da Terra... Já já vamos ter que pensar uma organização alternativa da sociedade. - Cara, de boa?! (Falou Jones levantando da cadeira) Melhor eu sair daqui que logo logo os Organizadores chegam aqui e eu não quero nem ver o que eles vão fazer contigo se tu continuar com esse tipo de pensamento. - Tudo bem, tudo bem, eu paro... - Vamos deixar de falar besteira e vamos aproveitar os últimos googlecredits pra fazer alguma coisa que preste? (Falou Marconi desativando a skin de topete do Elvis que tanto gostava)Tava aqui vendo, parece que tem uma skin retrô nova que deixa a

Casa de mãe.

O metal da aliança arranhando as panelas. A aspereza da língua do cachorro que sempre encontra a ultima pancada. O cheiro do café invadindo as narinas. O chão frio sob os pés. A madeira velha da poltrona entre os dedos da mão. Um sorriso no rosto.

Michaellysson

"Ave Maria cheia de ..." PRA!!!! O som do jarro quebrando fez com que a velha tivesse um sobressalto e engolisse as últimas palavras junto das lágrimas que agora caiam pesadas dos olhos enrugados e escorriam pela pele flácida. - Puta que pariu!!!! Vocês me odeiam nessa casa! Falou Joana com a voz forte de quem ainda tinha todos os cabelos negros como pena de graúna e garganta firme como corda de violino. Mas era possível perceber lá no fundo um arranhado rouco provocado pelo excesso de cigarros. - Porra! Cadê a bolsa velha???!!! O choro das crianças fazia a trilha sonora perfeita para a cena de desestruturação que transcorria. Das cinco crianças da casa, apenas Michaellysson chorava em silêncio. O garoto de nove anos chorava não por medo da mãe. Não a considerava mais nada além de uma intrusa. Chorava de ódio. Queria fazer a dor de sua verdadeira mãe, a avó, parar. Joana avançou com todas as forças para cima da velha. - Bora vaca, cadê?! Três tapas e dois chutes acerta