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Mostrando postagens de agosto, 2014

A mudinha

No meio daquele mundo de verde, de sol a pino e sono descansado saiu pra caminhar. Foi alí, no meio do mar verde, onde brotavam um conjunto de pedras escutou o chorar baixinho. Procurou até encontrar a origem daquele lamento tão frágil. Não foi surpresa alguma quando viu que vinha daqueles galinhos tão fininhos e mal tratados. Não precisou de muito esforço para entender, ela tinha sede, ela queria ser grande, ela queria crescer forte e frondosa, mas as pedras que se por um lado eram-lhe a casa, por outro lhe secavam o futuro. Amou-a desde o primeiro momento e a cada dia levava um balde com água, duas ou três horas de conversa e uma grande dose de fé. Cansou de ouvir as risadas pelas costas que o tinham como louco. Preferia fingir que não era consigo. Tinha mais o que fazer, tinha uma vida pra cuidar. Todos os dias ela o recebia com o mesmo sorriso meio triste, acanhada agradecia cada gota recebida e sempre, como um relógio cuco ao meio dia, quando o homem virava para ir embora

A balança

Movia-se repetidamente. O peito tamborilava em um compasso de enlouquecer maestro. O suor pingava-lhe pela ponta do nariz, pelos fios do cabelo, sentia o corpo todo empapado pelo suor. Os braços ardiam do esforço. As pernas tremiam. O movimento repetitivo começava a cobrar o preço. Um preço proporcional ao prazer que esperava. Era um misto de dor e deleite. Contudo a balança estava pendendo para o lado errado. Mas precisava continuar, Sentia que o corpo precisava de um descanso, Mas... Também precisa terminar aquilo, mais do que qualquer outra coisa. Venceu o muro, continuou, Uma estocada a mais, Uma força a mais, Uma passada a mais... Enfim!!! Ergueu os braços para o alto, deu um grito primal. A vitória!!! Atravessara a faixa, terminara a corrida! Vencera... não a competição, mas a si próprio.

Una

Acuada em um canto da sala, os olhos fechados e o corpo retorcido eram a prova da dor e do medo que a acompanhavam. A pele alva como pelo de ovelha de sacrifício ia sendo manchada pelo vermelho escuro do sangue que lhe escorria do peito e do pescoço. Feridas impostas pela traição e que ardiam inflamadas provocando uma febre obscura que a fazia temer por novos golpes. Aninhava o próprio corpo em um pedaço tão pequeno de chão que mal tocava o piso frio da casa que se tornava cada vez maior pelas ausências recentes. Por dentro de si sonhava um sonho torpe e febril onde revisitava cada momento de dor, e a cada instante revia o olhar daqueles demônios cortando-lhe o ar. A cada rosto virado e cara de desprezo fazia com que do plano etéreo surgissem pedras que na velocidade de um piscar atingiam-lhe com força e sempre deixavam o saldo de algum pedaço de osso lascado ou quebrado. Depois vieram as navalhas que lhe perfuraram a carne... Por fim as correntes, diziam que era pra seu bem, que pre

Cruzamento

Conferiu o pano passado pela sétima vez seguida. Arrumou um fiapo do cabelo que teimava em não ficar no lugar. Passou mais uma dose de desodorante, por cima da blusa mesmo... não podia chegar com aquelas duas manchas de suor debaixo do suvaco que teimavam em aparecer sempre que ficava nervoso. Sentiu o estômago gritar mais uma vez, resolveu ignorar... Se tivesse se rendido na primeira ânsia de vômito já não teria mais nada do pão com café requentado que comera de madrugada. - Bem, vamos lá... é hora de mostrar que eles realmente fizeram uma boa escolha o lhe contratar Etevaldo! Vamos lá! Saltitou cinco quadras... chamar de caminhada aquela experiência proporcionada pela calçada desnivelada e a pista esburacada seria elogio demais.  Depois de alguns intermináveis minutos de espera, lá vinha o Grande circular... Esperava pegar aquele mesmo ônibus durante uns dois anos, daí quem sabe o dinheirinho que conseguisse ganhar desse pra dar entrada numa motinha. Quem sabe...  T

A fruta

Ofereceste-me uma fruta tão bela e estava eu tão sedento... Com ferocidade queria provar do suco, chupar os gomos e esfregar-me no bagaço. A fome urgia, gemia, punia. Fazia-me não mais autônomo mas sim um servo da vontade de comer. O raciocínio é filho de mentes sãs e satisfeitas... Pensasse com o cérebro e sente-se com o coração diziam eles... A mim, tudo parece se resumir ao estômago. A fome destrói qualquer possibilidade de sentir-se humano. A fome indispõe-nos completamente ao diálogo e a elucubração... A fome dói e ponto. Demanda ser saciada... E assim estava depois tantos anos de abnegação. De entregar-me completamente a doar... esqueci de comer... Mas uma hora o estômago falou mais alto. Uma hora ele tinha que falar. E nessa justa hora, ofereceste-me aquele fruta. Linda e suculenta... Estava envenenada... O doce que sentia era do curare que me davas. Mas, diria não se soubesse? Procuraria-o menos ainda se soubesse que logo estaria a arquejar? Provavelmente