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Mostrando postagens de dezembro, 2010

Marcelo e Luana

Vinha caminhando pela rua, passo lento, cabeça baixa, as pernas formigando e o peito pesado. O caminho para casa nunca parecera tão grande. Acompanhava com o olhar a marca branca da beirada da sarjeta, mas ver mesmo, não via nada, sua mente estava a quatro quarteirões, junto com duas florzinhas e um coração. Marcelo conhecera Luana a dois anos, e ao olhar para ela sabia, era ela, ela era a garota. E ela foi, a garota de seus sonhos, sonhos de beijos que começavam suaves e que iam ganhando uma intensidade que lhe fazia parar de pensar. Foi por ela que entrara nas aulinhas de inglês e conhecera Led Zepelin, Rollings Stones e Sex Pistols. Foram dois anos vivendo mais por ela do que por ele mesmo. Deixara o cabelo crescer para ficar mais parecido com aqueles caras legais de seriado americano. Tentara falar com ela e dizer o que sentia, mas tudo parecia tão ridículo. Tão ridículo quanto aquele maldito cartão que lhe enviara anonimamente no dia dos namorados. Tão ridículo quanto esse cheiro

Calor

Era mais uma noite quente, maldita e abafada. Parecia que o céu havia descido e apertava a terra com um ar quente que só podia prenunciar a qualquer desavisado que ali era uma terra tocada pela mão do diabo. Lucas pingava dentro de sua bata amarelada de suor; ela já fora branca, e não havia muito tempo, qualquer um que chegasse a vila o encontraria limpo e cheiroso, com o cabelo exalando um perfume de brilhantina e a roupa com um leve odor de ovo que usava para passar as vestes e deixa-las brilhando. Mas hoje não havia nada disso, só o calor e o medo. Era o quinto enterro que acompanhava no mesmo dia, e o maldito dia ainda não acabara. E mesmo quando acabava, teimava em se repetir, levando sempre cinco, seis, até mesmo dez. Pela quinta vez, ele que nem sabia mais se acreditava ou não em um Deus era arrastado a consolar uma família moribunda que pranteava de olhos rubros a partida de mais um. Apenas rubros, pois não tinham mais aguá para derramar de seus corpos igualmente secos e moribu

Ela voltou.

Sobre a cabeça a batida oca nas telhas de argila. Ela chegou, este ano ela demorou, mas chegou. e junto dela vieram as lembranças...elas sempre vêm. Aguardava a sua chegada, pois sabia que despertaria essa sensação de temor e angustia que me acompanha a tantos anos. Na verdade não sei se a palavra correta é aguardava, muito bem poderia ser temia, receava, mas o que importa é que, agora que ela chegou, queria que fosse embora. Ela? Ou as lembranças? Sim, ela esteve lá em todos aqueles momentos que fizeram com que minha alma hoje tenha calos e rugas. Ela esteve lá quando a oito, nove anos atrás, ainda quase uma criança deixava a casa de minha primeira namorada, com o peito apertado e os olhos rubros, ouvindo um constante e sempre audível -acabou... Ela batia mansa e fina sobre mim. Acho que naquela hora, até ela sentiu pena de minha inocência e da forma cruel como aquilo me afetara, ainda não sabia como agir. Só deixei que ela me envolvesse e carregasse pra casa. Quem dera tudo tivess

Roberto ou O escritor ou Aquele cara lá.

Nunca fora nada. Não era alto, nem baixo. Um pouco mais gordinho que o normal, mas nada que chama-se a atenção. Nunca se destacara nos esportes, nem nas disciplinas da escola. Não sei se como forma de proteção sempre se achara superior aos colegas de escola. Apenas Cláudia fazia ele voltar para a realidade. Mas na verdade, nunca fora real. Ela era a mais bonita da escola e o caso entre os dois só fora real na ficção. E assim foi durante toda a vida escolar, ele e seu caderno, onde anotava de tudo, todas as suas experiências, poemas, devaneios que lhe ocupavam a mente. Até que conheceu Luiza. Ela não era nem alta, nem baixa, nem gorda, nem magra. Na verdade, tinham estudado juntos durante três anos, mas nunca haviam se visto. Ela o chamou pra sair. Ele relutou, ela não era Claudia. Mas foi. Se apaixonaram, tudo dera certo. Ele vira Luz. Era assim que chamava ela. Algum tempo depois, várias confidências e lágrimas também haviam se passado e ela conheceu seu

Ela

Voltava para casa. Era quase noite, aquela hora fria e esquisita, a mais escura de todas, entre o dia e noite. Estava escuro. O sol teimava por trás da serra, queria ainda ficar, mas já era hora. Ainda não era tão tarde ao ponto de estarem acesas as luzes artificiais. Era uma hora triste e cansada. Assim com eu. O dia fora difícil. Já fazia tanto tempo que saíra na madrugada preguiçosa, até parecia ter sido outro dia. Passara-se o dia todo e agora ali estava eu, de novo. Suado, camisa aberta até o quarto botão pra ver se entrava um pouco de ar. Cansado. Pela janela da condução, lotada, entrava vento, um vento tão bom,... vinha de casa. Estava voltando. Foram quantas palavras? Quantas pessoas? Quantos? E no final, estava voltando pra casa. O caminho passava, rápido; mas não tanto quanto eu queria que fosse. Parecia tudo tão lento naquele fim de tarde. Acho que o próprio dia estava esgotado. Esvaia-se Enfim, a casa. Porta, sala, solto os livros e tudo o mais, termino de desabotoar a cam

Medo

Os olhos estavam ardendo, a cabeça pesada, a barriga parecia dez vezes maior do que era. Sentia-lhe cada pedaço e cada movimento. Sentia um aperto ao lado do ouvido. Nada disso realmente o incomodava. O pior era o medo. Sua cabeça estava nervosa, seu coração batia lento, mas nem por isso se iludia: tinha medo. Medo de que? Medo de quem? Sentia-se pequeno e fraco. Era grande, já homem feito. Todos lhe diziam, alcançara muito, fora bem longe, chegara onde muitos diziam que lhe era impossível. Enfrentou as Moiras que lhe destinavam um mundo pequeno, menor que seu próprio peito que agora estava apertado. Mas tinha medo. Medo de parecer fraco quando todos lhe queriam/ precisavam forte. tinha medo dela, nunca aceitaria sua fraqueza, mesmo que ela assim o fosse. Medo de desaponta-los, eram tão certos de que ele era forte que não poderia deixar de provar para eles que realmente o era. O era? Só a ele cabia essa questão, só dele dependia a resposta. Precisava parar de pensar, a cabia doia mais