Todo dia.

Todo dia era o mesmo ritual.
O despertador tocava as 4:48, impreterivelmente.
Ainda meio sonolento arrancava o celular da tomada.
Sem precisar olhar fazia o curto caminho até o banheiro.
Atualizava as conversas das redes sociais e algumas poucas notícias enquanto esperava o intestino funcionar.
Lá pelo quarto ou quinto grupo o som começava a vir da casa vizinha.
O cheiro de café atravessada a curta distância entre eles.
A maldita mulher conseguia irritar a qualquer um.
Não era nem cinco e meia da manhã e ela já estava com o rádio ligado.
Ouvia sempre aquele mesmo radialista com voz de quem engoliu ovo quente falando coisas melosas sobre amor intercalados por músicas bregas e uma outra notícia.
Quando ele corria para fora de casa já fazia questão de enfiar os fones nos ouvidos para tentar não perder o resto do sono e aproveitar a desculpa para não ter que falar com aquela mulher irritante.
Lá pras seis e meia, sete horas da noite quando chegava em casa corria pra debaixo da ducha e tentava esticar os pés enquanto via sua série favorita (daquela semana) na internet.
Era uma briga inglória tentar manter o foco nos diálogos em inglês enquanto a vizinha falava alto ao celular com alguém. As vezes era um namorado, outras a mãe, já chegou até a pensar que tivesse um pastor do outro lado da linha.
Essa ladainha corria alta até umas nove e meia, dez horas. Quando ele ia escovar os dentes e dormir.

O despertador tocou as 4:48.
Tirou o celular da tomada.
Atualizou as notícias.
Tomou café.
Foi pro trabalho.
Voltou lá pras sete.
Assistiu quatro episódios seguidos.
Escovou os dentes.
Sentiu falta da vizinha.

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