Eli Eli Lama Sabactani - parte I

A respiração parecia com o motor de um carro. Mesmo sem fazer barulho nenhum, o corpo se transformava em uma grande máquina de fazer sons. O coração tamborilava no peito como se quisesse sair e se esconder dos monstros que podiam ser vistos pela fresta das ripas de madeira que compunham o fundo falso do guarda roupas daquele homem bondoso que nunca haviam notado, mas que milagrosamente se apiedou deles naquele momento onde a bondade parecia ter abandonado o mundo. Louvado seja Iaweh.
As quatro pessoas ocupavam um espaço que comportaria muito bem uma criança de dez anos, e só. Mas não se entristeciam pela miudeza do esconderijo. Era o lugar mais maravilhoso que havia no mundo. A casa de três andares, com escada de piso de mármore e corrimão de madeira de lei parecia um passado distante, mas não tão longínquo como os sábados de descanso ao som de Wagner com seus sons fortes e marchas grandiosas. Adorava ver a pequena Hanah exercitando-se no piano. Mas tudo era passado, agora só lhe restava a piedade do pobre e até pouco tempo não notado vizinho Tobias Müller.
Quando toda a loucura começou ele pensou que seria algo passageiro, afinal, vez por outra a Europa passava por esses surtos, principalmente em épocas de crise financeira, mas a Alemanha se reergueria, ele tinha fé. Uma fé que aprendera de seus pais e remontava a Abrãao, Isaac e Jacó. Pensou que ELE o tivesse abandonado quando leu as notícias, temeu mais ainda quando os camisas marrom quebraram todas as lojas dos irmãos da sinagoga, a esposa lhe pedia para sair do país, não podia aceitar. A Alemanha acolhera sua família quando Portugal promoveu o grande massacre de judeus em 1506. Seu povo viveu ali desde então. Tiveram alguns problemas quando da Reforma Luterana e depois quando os católicos tentaram reagir, mas nada demais. Há quase quinhentos anos viviam ali, e era ali que deveriam ficar.
-ADONAI, MELEK, ADONAI, MELEK. Eles estão olhando para cá!
Há mais de meia hora Tobias conversava com os policiais que perguntavam sobre os ratos da vizinhança. Até agora estava tudo bem. Não conseguira ouvir a conversa toda, mas eles pareciam satisfeitos. Chegara até mesmo a escutar algumas gargalhadas. Por que estavam olhando pra lá. Por quê? A urina escorreu pela perna. Nenhum dos quatro ocupantes do cubículo reclamou. Na verdade, não respiravam, não piscavam, apenas temiam. Sentiu os olhos do nazista atravessarem a cortina que se postava quase ao lado do buraco por onde espiava, fendeu a parede de madeira, perscrutou seus olhos, emergiu em sua alma. Rasgou-lhe a vontade. Mas se virou, falou alguma coisa para Tobias. Mais uma gargalhada. Gritou alguma ordem e foram embora.



El Elion seja louvado. Foram embora. Adonai! Foram embora. Aleluia!
O corpo descansou, por uma noite, uma noite que fosse, estava tranquilo, sorria, esquecia toda a loucura que rodeava o lugar. Era feliz! Abraçou a esposa e os filhos, em um só abraço e dormiu. Sentado, suado, urinado, mas feliz!  

Comentários

  1. Fico arrepiada com essas histórias sobre o nazismo, tou lendo O diário de anne frank(depois de anos procurando), e é muito difícil acreditar que toda essa crueldade tenha sido real...perdoa-os pai! ler essas histórias e saber que realmente aconteceram é infinitamente pior que qualquer terror fictício, por mais escabrosa a maneira que ele tenha sido escrito...
    Narrativa muito boa, suspense e... ufa! final feliz!

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