As bochechinhas

Os cabelos alvos voavam ao balanço do vento. Eram propositadamente grandes para enganar a calvice que a cada ano se tornava mais intensa. O ar forte percorria-lhe o corpo dando uma sensação de liberdade, que gosto maravilhoso, há quanto não sentia?

Sentado via o mundo ao seus pés. Carros passando bem devagarzinho, era um fluxo constante de anda e para. Era como nos dias de antes: ele olhando seus carrinhos de cima, tendo uma falsa sensação de poder, de controle, de compreensão. Aqueles mesmos tempos em que se permitia ser dominado pela autoridade majestosa da mãe. Uma brancosa gorda de quadris descomunalmente desproporcionais, com suas bochechas rosadas sempre apertadinhas por um sorriso que lhe afagava a cabeça e lhe dava tanto carinho....chorava, chorava feito criança, soluçando e chamando pela mamãe. Igual lhe forçaram a fazer dentro do alojamento do exército quando era moleque recém ingresso na vida adulta e achara que na instituição militar viveria rodeado de pessoas que como ele presavam pela forma correta de agir. Até que denunciara o cozinheiro que furtava alimentos do armazém do quartel. Ficara todo garboso, chega fedia a tanto orgulho. Ainda sentia as costelas doerem da surrara que levara. Acordara vendo o mundo preto por causa do saco que lhe enfiaram na cabeça e apanhara, igual menino danado, só por que agira correto! Os algozes lhe esmurravam e mandavam: Chama a mamãe chama nenêm! Aprendera e a lição, dura e ardida, mas aprendera. E agira sempre assim, sabendo que tirar vantagem era a lei. Talvez por isso seu casamento nunca dera certo. Sempre que estava feliz com sua esposa sentia a compulsão por lhe abandonar, mas não antes de lhe carregar as poucas economias guardadas na lata de leite ninho furada que ficava debaixo da cama de casal, dentro de uma caixa de sapato kichute. Fugia, gastava, gostava, gozava, e depois voltava, para emprenhar mais uma vez a mulher. Até que nascera uma menina, a primeira depois de três homens.
Sentira uma emoção pungente quando vira aquelas bochechinhas rosadas, apertadinhas num sorriso grande, desdentado e acima de tudo honesto. Era hora de recomeçar.

Descera...Treze andares de escada em meio a tijolos, cimento e pedreiros fedorentamente suados.
Chegara ao chão, agradecera ao engenheiro responsável pela construção. Ia ficar com a chave!
Era hora de recomeçar, e aquele seria um bom lugar pra nova família.

Comentários

  1. Quando vc disse descera no último parágrafo, achei que ele tinha se jogado do prédio!

    É estranho, n sei o que pensar desse conto. Nao tenho certeza se o cara merece mesmo essa tal chance de recomeço depois do que fez com a mulher... mas quem disse que a vida é justa, né?

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