O nascimento.

Eram dias lindos, o vento corria solto pelas matas, passava safadamente dando beijos apressados pelos rostos das folhas verdes da primavera, e estas, nem tempo de reagir tinham. Mal o vento vinha, já se tinha ido. Arrastava consigo o odor gostoso de grama molhada.

Os animais eram poucos, mas bem grandes, e do alto de seu tamanho descomunal não faziam um único urro ou grito incompreensivelmente assustador, eram os senhores e calmamente viviam e sentiam, expressavam sua vontade com paciência e eloquência.

E assim, era.

Mas havia, em meio a todos os bichos, um que não partilhava dessa felicidade, era um dos poucos que podia ficar em pé, mas quase não o fazia, passava dias inteiros de costas pregadas ao chão, as plantinhas até o cobriam, pensando se tratar de mais uma pedra no meio do caminho. Até que: Ai, ai. Corriam feito loucas, era um salve-se quem puder, mais uma vez haviam cometido o erro de se pregarem aquele monstro que de tão cego, não via que ao se levantar com pressa matava-as. Aquele grosso podia muito bem pedir e elas sairiam de cima dele, assim como faziam sempre que solicitadas. Mas ele não se preocupava com isso, estava apaixonado.

No início era um amor terno, mais próximo de uma admiração. Passava tempos e tempos divagando pela amada. Depois o sentimento foi se tornando cada vez mais uma obsessão, uma paixão violenta que não poderia mais ser saciada com um olhar, precisava consumi-la e deixar-se consumir. Mas como, ela estava tão longe.

Um dia, olhando para o alto conseguiu ver umas aves negras gigantescas que cortavam o céu e tocavam em sua amada. Aqueles malditos, como ousavam tocar nela.

Entendera tudo, ela gostava apenas daqueles bichos cheios de pena.

Sofreu as dores do amor, jogou-se na sarjeta, rolou na lama. E ao sair daquele pântano frio em que fora se refugiar vira que estava todo coberto de folhas e lama, estava tão preto como aquelas aves grandiosas. Agora era a hora, ela não haveria de recusá-lo.

Foi ao ponto mais alto que conhecia na floresta. Subiu, sem pedir licença, no senhor Carvalho, arrancou-lhe a barba e ainda deixou uns belos ferimentos por onde a seiva jorrou tentando tapar a dor.

Fixou seus olhos na amada e saltou!

O Cheiro de grama cortada passava pelo seu focinho, cada vez mais rápido.

Não olhava nem para a direita nem para a esquerda, só olhava para ela.

.

.

.

Não caiu. A nuvem agarrou-lhe. O céu escureceu, os trovões assustavam a todos lá em baixo, os relâmpagos cortavam sulcos imensos no solo limpo e reto.

Fluíram amor e desejo.

Dentro dela ele se perdeu.

Caíram gotas na terra, algumas pequenas frágeis e frias, que logo-logo escorreram para dentro da pedra, ou deixaram-se consumir para voltar mais rapidamente para a mãe.

Alguns foram pesadas, feias e sujas.

Daquele casamento tosco nasceu um novo ser.

Bípede, pensante, inventivo e mortal.

O mundo nunca mais foi o mesmo.

Comentários

  1. Muuuito bom, mas não consegui entender direito quem é a criatura! Contaí vaí dhenis, revele suas inspirações... rsrsrs. Amei esse viu!

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  2. conto nada. o legal é o misterio! hehehehe

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