O filho de Ariano

Era madrugada alta, devia ser entre três e meia e meia. Ariano acordou de um sobressalto. Quase se pôs de pé de forma repentina e abrupta, o que fez Joana semi-despertar. Ela já estava pronta para um protocolar "tá tudo bem?" e logo em seguida voltar a dormir, mas dessa vez foi diferente.
Ariano pegou-a pelos ombros e olhando fundos nos seus olhos disse: Joana, o nosso filho acaba de ser concebido. Em algum lugar perto de nós ele foi encomendado e logo vai chegar.
Achando toda aquela conversa para lá de esquisita, Joana resume toda a sua incredulidade em um cenho franzido e um: vai dormir...

Foram anos tentando ter um filho, mas do ventre de Joana ele nunca veio.
Ariano sabia que lhe faltava uma criança. Sabia que ela estava em algum lugar, só não sabia onde.
Rodou pelas redondezas.
Nos primeiros anos se demorava pra chegar em casa do trabalho por ficar circulando com o carro a procura da criança.
Chegou a ter alguns problemas no shopping por ser um homem estranho observando com atenção demasiada os brincantes do parquinho.
Cansada da pressão e da falta de atenção, Joana decidiu sair de casa.
Encontrou um jovem de cabelos gigantes, trançados em dreads que não queria lhe fazer um bebê, mas que a chamava de.

Velho, sem família, mas com uma poupança considerável, Ariano terminou os seus dias em um abrigo para idosos.
Passava a vida deitado sobre uma cama fedorenta e um lençol nauseabundo embebido em urina e fezes.
Enquanto todos os outros leitos gemiam pedindo banho, Ariano mantinha os olhos fixos na porta. Seu filho havia de chegar, ele sabia.

Era madrugada alta, mas ele já nem percebia. Dia e noite eram exatamente iguais naquele purgatório. Ouviu alguns barulhos intensos e uma grande gritaria. As enfermeiras corriam de um lado para o outro. Teve a impressão  de ver sangue correndo no chão. Viu o jovem entrar de arma na mão. Logo na porta parou e dobrou-se sobre o próprio ventre, parecia vomitar.

João Pardal passou de mesinha em mesinha, pegou alguns poucos pertences que ficavam ao lado dos internos. Seus comparsas já tinham pegue os cartões de aposentadoria e as senhas na sala da direção.
Já ia indo embora quando ouviu a voz chamar bem baixinho: filho... Meu filho...
Pardal pareceu congelar por um instante. Nunca tinha escutado aquela voz, mas ela pareceu a mais familiar de todas as vozes do mundo.
Virou-se, pensou em atirar naquele velho.

Voou.

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