O sacrário - Final
O vento balançava forte as árvores daquele campo santo...
Um misto de comoção e alívio, indignação e incompreensão permeava todos que lá estavam...
Enfim tudo acabava.
Havia grupos bem definidos.
De um lado os donos das empresas de jornal e televisão, felizes pelo pão-nosso-de-cada-dia garantido por pelo menos 15 dias de repetições ininterruptas daquele caso, que acima de tudo, era insólito.
De outro, dois ou três parentes do jovem Matheus que vieram despedir-se. Ele precisava ser pranteado, ele precisava descansar, depois de tudo...
Os mesmos dois ou três parentes da mãe, Mariana de Albuquerque, enfim partia desta vida. Que o diabo a levasse por tudo que os fizeram sofrer!
Em meio a tudo isso, a professora, o policial e o réu.
...
A fumaça subia como um incenso que leva a pequeneza humana a entrar em contato com Deus, ou com os deuses...
As cinzas são jogadas ao vento e assim mergulham novamente na criação. Era a forma que Mariana sonhava, cria que permaneceria viva, misturada novamente ao mundo, sendo parte da natureza, assim falou sir Thomas. Assim fizeram os poucos que tiveram estômago para suportar a loucura daquela mulher.
Loucura de mãe que viu seu filho minguar diante de uma rara doença, que procurou usar de todos os recursos que dispunha para dar-lhe o melhor tratamento possível, e assim foi a Europa, por isso chegara a Oxford, e pelo mesmo motivo Mariana conhecera Thomas. As lágrimas que caiam dos jovens e belos olhos da ex-modelo brasileira cativaram o professor inglês de meia idade cansado da rotina e que do alto de seu status procurava um pouco mais de sentido para a própria vida que levava. Consolaram-se e durante este consolo buscaram o autoconhecimento.
Abriram-se a novas experiências e a novas culturas, mas Mariana fora longe demais - disse em meio a lágrimas o professor, agora réu, Thomas - o que, para o inglês era curiosidade, para a brasileira se tornou a solução.
Matheus ficava mais fraco a cada dia, e a cada vez mais aumentava a certeza em Mariana de que o pai do garoto, advogado, logo teria a guarda da criança. Alegaria que a ex-esposa era culpada por tudo, criaria um espetáculo e convenceria aos seus pares magistrados a arrancar Matheus de junto da mãe. E isso ela jamais poderia permitir. Achara a solução. Em meio aos estudos que fizera junto com Thomas, Mariana encontrou o relato de um antropólogo que conviveu com um grupo aborígene que possuía uma relação de amor familiar tamanha que completava internamente o ciclo de vida e morte.
Eis a resposta. Ele tentou colocar-lhe um pouco de juízo, mas ela repetia sempre a mesma frase, como se fosse um mantra:
- Eles não vão tomá-lo! Ele é meu! Eu sei o que é melhor para ele!
E assim o fez. Mariana tomou o corpo frágil e doente do filho nos braços. E neste abraço maternal tomou-lhe a vida. Um golpe limpo, não tinha como errar, no meio das costelas evidentes, batia o coração da criança, pequeno e fraco... Não demorara, em poucos segundos, os braços e a cabeça penderam soltos.
Com a mesma faca ela cortou milhares de pequenos pedaços, um a um ela os comeu. Tomou cada gole de seu sangue e a cada inspiração sentia sua alma ser preenchida pela do filho que agora voltava para casa. Dentro dela, onde nada o faria mal, onde mais uma vez seria um, de onde ninguém jamais o poderia tirar.
...
A história contada no quarto de hospital terminou no mesmo instante em que a máquina soou o apito que avisava que o coração de Mariana parara, os médicos tentaram reanimá-la, mas ela queria morrer, o corpo não reagia por que a alma já se fora. Matheus era O motivo de viver para Mariana. Durante meses a mulher alimentara-se de suas próprias fezes, mas não era o excremento que comia e sim a seu próprio filho, repetiu centenas de vezes esse ritual, a cada dia seu corpo ficava mais fraco, mas ao mesmo tempo seu espírito era mais feliz pois tinha certeza de que a cada esforço dava a ele um nova chance, um segundo a mais de vida que fosse, dentro dela, e dava seu corpo para o seu filho sem temer, sem pensar em nada mais, somente no amor que sentia por ele.
Deixava de ser alguém para ser o seu sacrário!
Nojento e mto bom.
ResponderExcluirCaramba, wow, Eca!
ResponderExcluirMuito bom mesmo viu. É trágico, ao mesmo tempo que é comovente, envolvente, bonito de um jeito estranho. Gostei!
Caralho! caralho! Muito bom! mano, eu quase pensei outra coisa quando ia chegando ao fim. Pô, tu me prendeu pacas nessa história. O bom foi ficar imaginando esse final antes de ler.
ResponderExcluirCada vez te admiro mais Dhenis...Você tem talento!
ResponderExcluirParabéns!