Tudo o que era sólido...

Os olhos vinham semicerrados por causa do sol escaldante da rua, cobrindo a vista com o jornal recém-comprado ingressou na porta da igreja grandiosa do centro da cidade.
A vista precisou de três segundos para se acostumar ao novo ambiente. A luz dos candelabros segurados pelos anjinhos era a única mais forte do local. Ao seu redor apenas frestas de luz escorriam pelos vitrais das janelas multicoloridas.
 Mais calmo procurou a imagem da santa que sua mãe tanto apreciava e da qual o fizera devoto. Por sorte era perto de um grande ventilador, daqueles de coluna com três velocidades. Virou-o para si enquanto olhava para a imagem e meditava sobre os ensinamentos que recebera dos pais.
O vento despenteou lhe os cabelos. Arrumou-os uma vez, duas, na quarta resolveu mudar o ventilador de lugar, o calor já passara, estava fazendo frio, sem falar que o constante arruma desarruma já o estava irritando. Tentou virar-se para fazer o que intentava, não conseguiu. O vento soprou com tanta força e intensidade que era impossível mover-se. Em um misto de espanto e confusão os olhos arregalados viram a imagem da santa escorrendo algo pelos olhos. Não conseguia acompanhar o que lhe acontecia, mas o que antes parecia um simples jorro parecia um ácido que corria a imagem onde tocava, em pouco tempo a santa já estava pela metade transformada em uma peça disforme de gesso e água. Incrédulo coçou os olhos, que loucura seria aquela?! De súbito, sentindo os braços livres, abriu o jornal de forma a esconder a vista do restante da igreja, tentou prender-se apenas no mundo do jornal, mas as letras começaram a sumir, virando fumaça e deixando apenas uma folha amarelada em suas mãos. Ainda pasmo viu o fogo consumir o papel do meio para as pontas, foi o tempo necessário para que largasse o noticiário. Ficou de pé e resolveu gritar por ajuda, aquilo estava indo longe demais. Não conseguiu, a linga parecia estar encolhendo dentro da própria boa. Não conseguia articular uma única silaba sequer. As paredes inexistentes da igreja deram lugar a uma vasta extensão branca e asséptica combinadas a uma luz amarelada semi-sepulcral. Na angustia em que se encontrava percebeu a gosma preta que lhe subia pelos pés. Quando deu por si já estava pela cintura, seus órgãos genitais agora não mais lhe pertenciam. Levantou a vista, deparou-se com um imenso Obelisco negro. Do símbolo fálico de poder era que escorria a gosma nojenta e pegajosa que lhe tomava todo o corpo. Em um momento de desespero levou a mão a garganta, tentou proteger a cabeça, mas era impossível.



A escuridão deu lugar imediato ao entendimento. Era um instrumento do todo. Era mais uma peça no tabuleiro. Era mais um tijolo no muro. Era.

Comentários

  1. foi um sonho?rsrs'
    gostei,narrativa muito envolvente!

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  2. É, Morganna, tive a mesma impressão. Um sonho. Meio ambíguo, umas conotações suspeitas, mas um misto de sonho e de releitura do simbionte tomando o homem-aranha, no sino da igreja.

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