O apadrinhamento

- Preencha mais esses dois formulários senhor Monteiro... ótimo, ótimo... Agora faça a decência de olhar bem para a tela... Pronto, lembre da emoção... Ah, lágrimas não?! Ok, ok, o que teremos hoje. Uma imagem austera e corajosa? O destemido desbravador? O amor fraternal? Ah, entendi... pois deixe-me mudar o fundo aqui no programa. Pronto, o senhor já está novamente em verdes pradarias, pode deixar sua mensagem...

Era o décimo no mesmo dia.
Desde que lei de apadrinhamento estatal foi criada muitos correram para o ministério do carinho.
No início sempre iam para as missões de Marte, a esperança era voltar rico das minas de corbescônio, mas, mesmo com os custos das viagens arcadas pelas empresas os terráqueos viram que não compensava. Os martiáquios (como eram chamados todos os descendentes dos terráqueos a partir da sétima geração que haviam passado por mudanças morfológicas oriundas da diferença do ambiente, mesmo que controlado por computador para parecer com o da Terra) haviam descoberto essa nova fonte de energia que tornara obsoleta todas as formas anteriores. Contudo, para cada solução, existem novas demandas. Os homens criaram novas máquinas que tornaram a mão de obra humana obsoleta em mais de 60% das linhas de montagem.
A solução operou o caos.
Os empregos dissolveram-se como a carne nos vulcões de Nova Babilônia nos montes oeste de Marte.
O desespero levou a guerra civil.
Terráqueos se mataram com ferocidade pelos poucos pedaços de chão fértil que sobraram.
Os 19 bilhões de habitantes foram reduzidos a 10 bilhões. Ainda eram muitos para o mundo.
O governo da Nova América propôs as viagens, muitos foram, mas o mundo ainda tinha miseráveis demais. Vieram as novas medidas de controle populacional. Um filho por casal, a castração ou o exílio. Marte era prospera, mas muitos tinham medo. O governo criou o apadrinhamento. O filho seria educado, teria abrigo, as melhores roupas e alimentação. Emprego garantido em um dos milhares de postos avançados de comando e exploração, bastava que o casal optasse por morrer.

Saiam em uma noite. Gravavam um holograma tátil. Entravam no nada.
Com seu sacrifício garantiam o futuro dos herdeiros.

Essa era a ideia...
Mal sabe o imbecil... o filho vai ser mais um dos escravos para as minas... nunca procriará... nunca saberá o que lhe aconteceu.

Não acreditava que ainda pudessem acreditar nisso... Mas, sabe-se lá... Uma barriga faminta é cheia de esperança...

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