De pedra em pedra...
Passou a mão sobre o rosto, a mão ainda molhada da água da
torneira borrou a maquiagem por debaixo dos olhos.
Desgrenhou os cabelos com cuidado, não
podiam ficar demais, mas tinham que estar fora de ordem.
Colocou a bolsa ao redor da boca e gritou
com força. Uma, duas, três vezes. A voz falhou um pouco... perfeito.
Estava pronta.
O queixo sempre ereto deu lugar as costas
envergadas e um olhar perdido.
A imagem era perfeita.
Carla entrou na sala.
Eles eram muitos, mas ela era ela.
Cada um falou.
Todos confirmaram a mesma história.
Todos os dias Carla ia ao trabalho. Quando
chegava na porta podia ver lá em baixo o carro da coordenadora de vendas. Todos
os dias ela pegava uma brita do montinho que os pedreiros deixavam perto do
portão e arremessava no vidro. Todos os dias ao longo de mais de nove meses ela
fez isso.
- Eu não fiz.
Mas todos diziam que ela fez.
- Eu não lembro de ter feito.
Buscou algum olhar de apoio no meio da
sala... encontrou um ou dois que lhe deram a certeza de que o jogo ainda não
estava perdido.
- Sei que o motorista e a menina do caixa
já jogaram.
Os dois se pronunciaram, sim, jogamos, uma
única vez... a seu convite... depois vimos o quão idiota era isso...
- Se eles fizeram eles são culpados... eu
não fiz nada.
Depois de 200 pedradas... 198 apenas
dela, o vidro do carro quebrou.
O que ela fazia ficou evidente para todos.
Menos para ela.
Carla estava certa de que nunca fizera
nada.
As câmeras mostravam cada uma das 198
pedras saindo da mão dela e depois de segundos um brilho no vidro...
- É tudo montagem... estão armando para
mim.
Despediu-se do pessoal do setor de
produção.
Não seria mais sua supervisora.
Seu choro, suas negativas, nada deu certo.
- Fui perseguida... era óbvio que eu não
queria quebrar o vidro. Nunca nem encostei no vidro... Achava até bonito. Pode
ver que em nenhuma das imagens eu chego a menos de cinco metros dele...
Tudo foi uma grande armação.
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