Dominação

Deixou a água escorrer preguiçosa pelo corpo.
A pele alva já estava rosada do calor da água quente que caia em cascata. 
A mão macia adornada de unhas grandes percorria o próprio corpo de forma languida.
Era bela.
Era desejável.
Sabia disso.
A qualquer momento ele ia largar o trabalho e ia correr pra ela.
Como sempre ia inventar alguma desculpa sem muita graça para entrar no banheiro e perguntar se podia terminar o banho junto com ela.
Já sabia no que isso ia dar.
Era sempre assim.
Mesmo nas outras vezes em que dormiu fora.
Ele fazia uma cara de emburrado, ficava com uma tromba do tamanho do mundo. Mas no final, o desejo sempre vencia a honra.
Ele sabia que ela era bela.
Ele sabia que ela era desejável.
Ele sabia que era sempre assim.
.
..
...
A pele começou a arder depois de quase uma hora debaixo da água quente.
Não podia acreditar que um CD inteiro da Florence já tinha tocado e ele ainda não tinha vindo.
Deixou cair o condicionador. Talvez o barulho chamasse a atenção...
Apressadamente enxugou os cabelos castanhos e ondulados.
Olhou-se no espelho.
Sabia que era bela.
Mas por meio segundo sentiu-se estranha.
Talvez um pouco abaixo do peso.
Talvez aquele sinal de beleza não fosse tão belo assim...
Não, era bela. Sabia disso.

Com o corpo ainda razoavelmente coberto por gotas flanou pela casa. 
Ele sorria em meio a alguma conversa pelo celular.
Os dedos prontos para responder e os olhos atentos, com aquele sorriso de canto de olho (sim, ele sorria com os olhos da mesma maneira que sorria com os lábios) que só ele tinha mostravam pra ela que ele realmente não se importou com o banho dela.

- Olá...
- Oi moça. Acabou a água?
- Não... Porquê?
- Nada. Tem comida na mesa se quiser.
- Que porra é essa? Você não tá me vendo aqui? Vai fingir que eu não existo pra tentar me punir por ontem?
- Ontem? Não, tá tranquilo. 
- Tranquilo? Que merda é essa? Agora tá achando que pode me desprezar assim é? 
- Poder... Essa é uma boa palavra. Mas não é nada disso.
- Ai você quer falar de poder? Quer falar sobre quem manda nessa casa? Quem ganha mais? 
- Não, não... O dinheiro é seu. O poder não.
- Vá à merda você e sua conversinha besta. Você sabe que eu sou o poder dentro dessa casa.
- Ok... Você quem sabe... (silêncio) Ah, não acho que o poder "é", acredito que o poder "está sendo"... (Continuou olhando para o celular.)
- Que conversinha é essa? 
- Não existe poder absoluto. O poder não é algo que pode ser personificado ou inventariado como patrimônio de alguém. O poder é relacional, sempre.
- Sim, eu mando e você obedece... Eu vivo e você assiste... Eu sou e você me quer. Ponto!
(Enfim ele largou o aparelho sobre a mesa e deu a ela toda a atenção de um olhar cansado daquela conversa, mas com uma convicção que há muito tempo não via.)
- Seria bom se fosse assim... Seria bem mais simples, mas não é. Todo mandante precisa de um mandado. O poder é um fenômeno. É a capacidade de encontrar a pessoa certa, na hora certa, com a determinação certa para obedecer. Hoje eu escolho não... Simples assim.
- kkkkkkk Como se fosse possível simplesmente dizer não e tudo se resolver com uma simples recusa. Você acha o que.... Que é alguma espécie de Gandhi?! 
- Sei lá Cássia... Só sei que hoje eu sou livre. Eu quero ser livre. Escolha você se quer ser livre comigo, ou se quer ser uma dominadora sem dominado... (voltou a olhar para o celular... o sorriso voltou aos olhos)

Ela viu o quanto ele era bonito.
Ela sabia que ele era belo.
Ela sabia o quanto ele era desejável.

Ela sabia que sempre foi assim.  



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