Dentro da terra - parte 2

A lei era clara disse o Barão do Tejo quando anunciou a condenação. Não passava de um pedaço de estrume de mente limitada e de corpo flácido... Com aqueles lábios pendentes e nariz adunco não negava a verdade, também era descendente de mouros, Não é porque agora estava casado com aquela galega de olhos claros, descendente da família de Dom Dinis que isso tiraria dele o sangue marrom que carregava. Nem mesmo com todo o pó branco que esfregava naquela caretonha feia podia esconder sua origem.

Mas esse é o mal de todos que são elevados a algum posto de comando ou a novos ares sociais, exacerbam cada uma das características daqueles que já lá estavam em um tosco teatro de aparências onde ninguém consegue ser iludido.
As malditas ordenações manuelinas eram uma afronta a qualquer intelecto no mínimo maior que o simiesco. Como punir um estupro com apenas uma multa equivalente ao preço de uma galinha e por outro lado, culpar alguém de invocar as forças da natureza em nome do bem e da prosperidade com o degredo e a perca de todos os bens? É ridículo... é ridículo.

Todas as noites e dias durante os três meses em que esteve no navio odiou cada um dos seus acusadores. A cada vez que vomitava sentia o gosto do nome do Barão do Tejo vindo-lhe a língua junto da bílis que expelia.

Foram meses difíceis até a sua adaptação a esse cu do mundo.
Era bom viver sem tantas preocupações e pudores.
Mas era ruim a ausência das facilidades que a modernidade lusitana lhe oferecia.Sentia saudades imensas da Biblioteca Real. Era quase sua terceira casa.
A primeira era o teto que tinha sobre a cabeça, a segunda era o bosque antigo de Algarves onde executara tudo que aprendera.
Eram as três uma grande extensão de uma mesma moradia. Todos os luxos que tinha na primeira devia aos conhecimentos que encontrara na terceira e que pudera praticar na segunda.
Riquezas não mais lhe faltavam. Os poderes deste lado de cá do oceano parecem ser mais intensos do que nas terras portuguesas... Deve ser porque aqui não existem tantas cruzes afugentando as energias.
Se bem que... a nudez gostosa das índias e negras também devia atrair os espíritos assim como despertava seu sexo.
Nunca fora tão luxurioso, e olha que passara tempos sem que ninguém ousasse ao menos entrar em suas terras desde que souberam de como seu ultimo escravo núbio havia morrido... Mas como ele poderia saber que alguém tinha como morrer de exaustão pela bunda?
- Seu Manel Cão chegou outro carregamento de burro.
- Ah sim sim Tejinho, vou já lá conferir – não poderia deixar de aproveitar da compra de seu primeiro novo escravo para batizá-lo em “homenagem” ao responsável por seu exílio. Também não é preciso muito esforço para saber o porque do escravo desde seu segundo dia na propriedade mancar da perna direita, ter um olho vazado e dois dedos a menos em cada uma das mãos.

Mais uma carga de ouro escuro chegava. Mais rico ficava Manoel Oliveira. Como sempre, encheu a mão de ouro. Deviam ter ali umas trezentas gramas. Saiu sozinho para dentro do matagal. Os escravos já sabiam o que ia acontecer e por isso saíram correndo pra dentro da casa grande. Tinham seus orixás e exus-guias e por isso mesmo já haviam sido advertidos pelos santos a não se meter com essas forças que o degredado trouxe d'além-mar.

O céu ficou preto. A ventania fez voar algumas telhas. O chão tremeu por meio minuto. Manoel Cão voltou com a boca cheia de sangue, mas com os olhos cheios de tesão. Sobre o ouro nada se sabia, só o que se tinha certeza era que a cada dia o homem ficava mais rico.

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